quinta-feira, 25 de julho de 2019

SERÁ ESTA A SINA DE MACHICO ?...


                                             

Era uma vez uma criança… Nasceu à beira-rio “entre dois íngremes rochedos que levantam aos céus fronte orgulhosa”, no grande vale de Machico. Seu nome de baptismo: Francisco André Álvares de Nóbrega.
Podia começar assim um romance bucólico, uma novela de fazer sonhar corações! Mas não. É um registo trágico, ocorrido entre os séculos XVIII-XIX. Vem descrito com a mestria de um exímio sonetista. Ei-lo:

11 –

SONETO.
Ao Excellentissimo e Reverendissimo Bispo do Funchal o Senhor D. Luiz Rodrigues Villares.

Prelado Excelso, o Nobrega doente,
Cá das margens do Tejo, onde o remistes,
Vai , sôbre as asas de seus versos tristes,
A beijar-vos humilde a mão clemente.

Inda se lembra da tenaz corrente,
Que de seu rôto pé Sábio despistes,
Quando em cárcere abjecto em luto o vistes
Dos Pais, do Benfeitor, da Pátria ausente.

Só vós o fado meu vencer pudestes,
Só vós os agros dias me adoçastes,
Do vosso antecessor mimos agrestes.

Conheça o Mundo o quão diverso andastes:
Aquelle me espancou, vós me acolhestes;
Aquelle me prendeu, vós me soltastes.

              Decifrando a narrativa:
 A criança crescera, fora trabalhar para a cidade do Funchal. O deão da Catedral e professor de Retórica incentivou o jovem Francisco a entrar no Seminário do Funchal. Aí desenvolveu o seu talento e deu largas ao estro poético que trazia desde nascença. O Bispo de então, José da Costa Torres, moveu-lhe uma tal perseguição que só terminou na cadeia do Limoeiro, onde contraíu uma doença fatal que o levou à morte em Lisboa. Era o terrível e execrável tempo da Inquisição em Portugal. Calúnias sobre calúnias de carácter doutrinal desabaram sobre o jovem seminarista. Pouco antes de morrer, o seu substituto, Dom Luís Rodrigues Villares, intercedeu junto das autoridades que soltaram o grande vate madeirense, natural de Machico. Com 33 anos apenas, despediu-se da vida.
Um bispo o condenou, outro o absolveu. José da Costa Torres “matou-o”. Luís Rodrigues Villares “ressuscitou-o”. Há mais de duzentos anos! Protagonista: a Igreja Católica Romana!
E a mesma terrível pergunta permanece: Em que Igreja acreditar?...

25.Jul.19
Martins Júnior

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