quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

QUANTOS ROSTOS TEM O NATAL?

                                                                  


Que rosto tem o Natal?

E que corpo tem a Alegria?

Estavam em franca euforia de um jardim de infância regressado, de há 70, 80 e mais anos. Os baloiços eram as mesas, suficientemente distantes umas das outras, com muitos lápis coloridos sobre folhas de papel onde aquelas mãos de dedos finos do trabalho árduo e grossos de rugas da idade desenhavam silhuetas de árvores, pássaros, telhados e jardins. Após o lanche, os tampos das mesmas  mesas  zuniam com o arremesso decidido das cartas vencedoras, à bisca ou ao cassino.

Os passos de dança, de pés arrastados para os estranhos, mas leves e saltitantes para eles e elas em plena sala, faziam retomar os ritmos esquecidos da recuada juventude. O dia era uma festa, já era a “Festa” anunciada. Para a vintena de anciãos ali felizes com o ambiente que a solidão do lar não lhes oferecia, perder um dia no Centro de Convívio era o mesmo que encurtar um ano na vida.

Por isso, quando a directora entrou e falou, uma nuvem pesada abateu-se na sala e esmagou toda a alegria reinante. Transformou-se em choro e lágrimas o que, momentos antes, era  descontração e saúde. Que terá dito a jovem directora?

“Queridos utentes deste Centro, muito nos custa dizer-vos, mas dou-vos a saber que vamos encerrar as nossas actividades daqui até ao fim do ano. Primeiro, porque estamos já perto do Natal, que é a Festa da Família. E depois, para evitar qualquer hipótese de risco ou contágio do covid. Nenhum de nós o tem, é verdade,  mas é melhor prevenir que remediar. E é isso que as nossas autoridades recomendam”.

Razão tinham para tamanha tristeza:

“Mais se quer ficar aqui. A minha família está toda pra fora. Não tenho ninguém em casa. Aqui é que é o meu Natal, todos os dias”.

Quem ouviu os lamentos, fora da sala, sentiu apertar-se-lhe o coração. A porta-voz e a própria psicóloga não se aguentaram de comoção e prometeram visitar os seus “pupilos”  durante a quadra natalícia. E lá se encaminharam, metidos em seus abafos, cada qual para casa, meneando a cabeça para a sala, como quem olha, já saudoso, para a pátria que deixou para trás.

A solidão, ai o amargo espinho da solidão!

As próprias paredes da casa, por mais abastada e farta, não saciam a fome de alegria de quem se vê só!... E não há lareira que aqueça o frio cortante da saudade.

Perdoem-me os meus amigos, companheiros nas jornadas bloguistas, mas achei reconfortante e útil partilhar convosco a comoção que me tomou por inteiro quando me contaram o ocorrido. E o quanto é necessário e consolador estar com aqueles que não têm ninguém com quem estar. Neste e noutros Natais. E com eles aprender que o “Natal é quando o Homem quiser”.

Procuro todos os dias a resposta à pergunta que me persegue: “Quantos rostos tem o Natal e que corpo tem a Alegria”?... Encontro-a escrita em cada pedra do caminho, em cada escarpa da falésia, em cada ausência carente. Acho-a também, por mais estranho que pareça, misticamente plasmada naquele cânon de Maomé: “Levar alegria nem que seja a um só coração vale mais que construir mil altares”. E eu direi: Que  presépios mil!

 

09.Dez.20

Martins Júnior


 

 

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