quinta-feira, 13 de maio de 2021

HOMENAGEM OU PERMUTA?

                                                                             


         Os extremos tocam-se: princípio genérico, extensivo tanto à  geometria concêntrica elementar como à circulatura global da condição humana. Não precisamos de consultar os teóricos da filo-sociologia para nos apercebermos da conjunção astral que envolve inelutavelmente a vida-em-sociedade. Basta abrir os olhos e ver.

Vimo-lo esta semana, prenhe de emoções tamanhas que, com maior ou menor intensidade, arrastaram as multidões. Os fenómenos de comoção gregária aí estão, em locais e motivações diversas, mas possivelmente até com os mesmos agentes concretos. Não me admiraria nada se me viessem dizer que, entre os peregrinos de Fátima,  lá fosse alguém queimar uma vela (ou um molhe delas) pela vitória verde-branca do  clube favorito no campeonato nacional.

E se levarem a mal esta tão contraditória (talvez escandalosa!) aproximação, permitam-me partilhar o que os meus olhos viram na Capela das Promessas da Senhora da Aparecida, no Rio de Janeiro, em 1972: entre as promíscuas promessas que os peregrinos lá deixaram, dava nas vista uma enorme cruz de madeira (mais de 6 metros, seguramente) aproximei-me e, para meu espanto, li um bilhete grosseiro que dizia assim: “Eu carreguei aos ombros este cruzeiro desde (lá dizia a região) se o Brasil ganhasse a copa do mundo”. Nunca se sabe o que vai no coração e na mente de cada um!

Aqui reside a minha grande incógnita perante os milhares de crentes que têm a ousadia blasfema de apregoar: “Eu vou lá (seja qual o santuário), vou lá pagar uma promessa”. Dando de barato e sem sequer questionar se Deus precisa disso – cruzeiro, vela, archote, dinheiro – apenas me toca as entranhas e as revolve pensar que aquele gesto, aquela fé aparente deixa de ser homenagem pura e nua, para transformar-se num acto de permuta, mais explicitamente, numa expressão de requintado egoísmo. “Toma lá, Senhor, Senhora, porque me fizeste um favor, uma graça, um sucesso”. Por outras palavras: “Se não me fizesses o que eu queria, eu não estaria aqui, no teu santuário”.

 Confrange-me - e muito mais ao Senhor ou à Senhora – que se destrua a homenagem, o apreço, a estima e apenas sobressaia o mercado de troca: “Dou-te se me deres”!

Preferiria ficar por aqui e deixar tudo o mais à reflexão de cada um. No entanto, não resisto a confidenciar publicamente a minha oração à Senhora, quer se chame de Fátima, quer se alcunhe dos Prazeres, dos Remédios ou do Calhau:

“Senhora, admiro-te por aquilo que és e não por aquilo que me dás. A tua coerência, a tua coragem, a tua sensibilidade de Mulher e Mãe! E mesmo que nada me dês, gosto de ti e quero escutar o teu conselho”.

13.Mai.21

Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário