Mas
é preciso subir. Mais, mais acima. Quando subires o teu olhar e vires as
árvores centenares, altaneiras e toda a terra a cheirar-te ao verde moço do
Génesis, é aí a Fonte de Hipocrene, o lago das musas e dos cisnes. Mais uns
passos ainda, e elas – as musas – as mãos, os mármores de todas as pedreiras e
de todas as pátrias, lá estão, olhando
para ti e pedindo-te que as mandes falar. Porque elas falam e cantam, envoltas no
lençol branco das longas paredes da sala, onde se entra e não apetece sair.
É
assim uma visita à casa-museu-atelier de Francisco Simões.
Ao
abrir da porta, parece ouvirmos aquela voz premonitória do Monte Sinai:
“Descalça as sandálias, porque o chão que pisas é um chão sagrado”.
E
é-o, de verdade. Pela mão do Escultor, qual Virgílio de Dante, vamos
percorrendo a floresta mágica, imensa, em que cada recanto, cada livro e cada
tela nos fazem parar como num jardim edénico à beira-rio que nos inspira e convida a ficar.
Aqui
tens um Júlio Resende; ao lado, um Justino Alves e um Mário Cargaleiro. Acolá o
jovem-veterano Nadir Afonso e o inalcançável Mário Cesariny. Mais adiante, encontras-te
com a paleta onírica de Vieira da Silva e João Hogan. E – surpresa inimaginável!
- aí tens, olhos nos olhos, Artur Boal e o supra-terrestre Pablo Picasso. Da
mão directa do criador-poeta das cores, Francisco Simões, saíram redivivos na
tela Fernando Pessoa, Mário Sá Carneiro, Edmundo Beetencout, Miguel Torga,
Herberto Helder, Sophia de Melo, David Mourão Ferreira, eles e outros,
habitantes de um mausoléu existencial implantado nas raízes seculares da
montanha.
Atravessando o reino da floresta (os troncos transformados em livros) por entre paredes, feitas estantes preciosas, seguimos como peregrinos das catacumbas de outrora e ficamos extasiadas com a forma e o fundo das obras que marcaram épocas, edições prínceps, poesia, filosofia, ética e estética e até serões. “Vês aqui, os volumes do Padre António Vieira? – informa o nosso guia--anfitrião e enquanto acaricia um dos volumes do ‘Imperador da Língua Portuguesa, lamenta-se: “Ai, os jovens de hoje não lêem Vieira!.
E
é de Vieira que me traz a memória – arranca o estatuário uma pedra destas
montanhas, tosca, bruta, dura, informe – quando Simões nos leva ao coração
da terra, às pedreiras, matéria prima
das suas obras (‘Conheço-as todas, pessoalmente’, diz) e vai monitorizando:
“Estes mármores branco e rosa são de Estremoz e Vila Viçosa; aqueles preto e
branco, de Mem Martins; aqueloutro cinzento-escamas de peixe, de Trogaches. Ainda o mármore Onix é da Turquia e, o exótico
Travertino veio do Irão”.
Mas
o prazer mais intimista e, ao mesmo
tempo, franco e aberto, igual ao sol que lhe entra pelas amplas janelas, é a galeria do Parthenon, onde o
novo Fidias entroniza o ‘eterno feminino’, desde a Venus de Milo
até todas as deusas que povoam o Gineceu Global da História da
Humanidade. É a sua paixão, transfigurar a Mulher na sua inocência-virgem, cujos
traços e formas confluem no tronco dual erótico-mistico, tal qual saiu, não da
costela de Adão, mas das mãos do Supremo Escultor da Natureza. Francisco Simões
vive com elas, dorme com elas, morre por elas e, também com elas, ressurge
todas as manhãs no esplendor do seu estro criador. Bem o traduziu Maria Teresa
Horta no volume que o próprio titulou de “ANJAS”:
Anjos de
espinhos
Vorazes
Em torno do
sobressalto
Ou
do Discurso Amoroso de Maria Aurora. Ou da Soror Mariana
Alcoforado: La plus douce erreur, uma edição tão primorosa quanto afrontosa
dos anquilosados paradigmas canónicos vigentes.
Uma volta
ao mundo, um périplo pela História,
naquela colina denominada da ‘Alegria’, dotada de Capela desde 1608. Pelo secreto
fascínio intra-muros e pelo vigoroso
halo intemporal que Francisco Simões insuflou em todo o perímetro habitado, não
acho nenhuma outra identidade definidora senão a de inscrever no pórtico de
entrada: “ACRÓPOLE DA ESTATUÁRIA MDEIRENSE”.
O
maior encanto da Colina da Alegria será o de ver essa ‘Alegria’ transportada
por todos os estudantes de Belas-Artes e por todos os madeirenses quando
descobrirem presencialmente a nossa ACRÒPOLE.. Enquanto ali permanecer.
Com
a reconhecida gratidão ao Francisco Simões, permita-se-me transcrever aqui o eloquente
panegírico desse gigante etário, pedagogo e sábio Edgar Morin, na colectânea LIAISONS
“Francisco
Simões revoluciona a escultura portuguesa, legando às gerações futuras uma
herança artística, mas também ideológica, muito importante. Aquele que, desde
o inicio ou quase, centrou a sua obra criativa na ideia da Mulher, é hoje um
artista cujas criações magistrais são observadas e aguardadas em todo o mundo”.
05-07-23
Martins
Júnior
Aí está o poeta da Palavra...... ao lado o poeta da paleta.....Alexandre Aveiro....
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