Acompanharam-me todo o dia as nuvens
sombrias do dia 23, sexta-feira (“aquele dia aziago, sexta-feira” das Viagens
na Minha Terra) e não me deixaram quieto até à última das vinte e quatro
horas. Pegaram-me nas mãos e obrigaram –
-me a transcrever aqui a inquietação,
a angústia deste desabafo, que se estenderam até ao dia seguinte, à espera de
um novo nascer do sol.
A
Inquietação – mais dramática que a de José Mário Branco – vem de mais
longe, das terras moçambicanas e de Reinaldo Ferreira, quando o poema dedicado
aos heróis fecha, como urna funerária, neste trágico epitáfio:
“O HERÓI
SERVE-SE MORTO”
Que outra dor maior e maior ignomínia à grandeza humana poderia ocorrer--nos
quando os gélidos carrilhões do Kremlin emudeceram os quatro ventos do planeta:
“NAVALDY
MORREU. TINHA 47 ANOS” ???!!!
É sina que vem dos confins
da História: desde o inocente Abel até Àquele que pagou no corpo a factura ditada
pelo incestuoso código romano-israelita Pretório-
-Sinédrio: “É preciso que morra um
homem para salvar todo o povo”. Assim o Nazareno, os seus colaboradores
directos e indirectos. Assim Joana dÁrc. Assim
Luther King. Assim as vítimas da Pide salazarista. Assim Navalny.
Até quando?...
Até que um povo inteiro –
cada homem, cada mulher, cada jovem – recuse ceder um palmo de terra, de culto,
de poder ao ditador: primeiro conhecê-lo, desconstruir o seu discurso, pô-lo à
prova, por mais doces que sejam as suas palavras. O ‘superavit’ de doçura
verbal transformar-se-á em outro tanto de fel armazenado e pronto a intoxicar
até à morte o mesmo incauto povo que deu vida ao mesmo ditador. Assim com Hitler, assim com Mussolini, assim com
Salazar, assim com Putin.
Como se não bastasse lançar na masmorra o corpo vivo de Navalny, o sadismo putinista ceva agora o estertor do seu ódio mantendo preso o corpo morto do Herói, perante o pedido angustiante da família. É urgente acordar, denunciar e cortar o passo à passagem dos ditadores, desde os maiores nas grandes superfícies aos mais pequenos no estreito burgo onde emergem como ‘salvadores do povo’, enquanto não lhes cair a máscara e revelarem o que são: “vampiros nocturnos”.
Chamo José Afonso, nesta
sua canção e neste aniversário da sua morte, em 23 de Fevereiro de 1987.
Em Navalny assassinado e
em José Afonso consumido na luta contra a ditadura está cada um de nós. Está a
sua morte, mas está também a sua ‘reincarnação’, erguendo o braço e a voz,
ressuscitando o ânimo redivivo de todos aqueles que deram a vida para que brilhasse
o sol da paz e da liberdade para os vindouros. Sejamos dignos dos nossos
antepassados!
Connosco, o herói nunca
será servido morto!
23-24.Fev.24
Martins Júnior
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