Passou-se
um mês…e para o grande vulgo nada se passou. Desceu à terra fria um gigante, um
herói…e hoje já ninguém dá por isso. Os dias sucedem-se às noites e estas sentam-se
ociosas na almofada dos poentes. Enfim, mais uma peça “inútil” a abater à
carga!
Dando cumprimento à palavra dada após
os 500 textos do “Senso& Consenso”, escolhi este 13 de Julho para trazer à
mesa fraterna dos que ainda não
embotaram os sentidos o Grande, Imenso, Alto e Brilhante ALÍPIO DE FREITAS, ele
que via o invisível quando, no fim da vida, se lhe queimaram as pupilas para o
mundo e definitivamente se apagaram em 13 de Junho. Não vou erguer-lhe o
mausoléu da obra que construiu ao longo de oitenta anos, intensamente,
apaixonadamente vividos na luta pelos camponeses escravos no Brasil e em
Moçambique, nem lembrarei as torturas sofridas durante a ditadura militar
brasileira. Porei de lado os estatatutos de padre, jornalista, professor universitário.
Dele falou e cantou José Afonso na “Baía
de Guanabara/ Santa Cruz na fortaleza/ Está preso Alípio de Freitas/ Homem de grande firmeza”.
Hoje apetece-me ‘curtir’, entre a mágoa
e a valentia, o “desfado” ao qual se candidatam irresistivelmente os
verdadeiros heróis, os que não esperam louros nem rosas brancas na tumba nem
monumentos nas praças. São os que morrem em combate, cientes e conscientes de
que nunca avistarão a palma da vitória. E, por isso, cinco luas passadas, já
ninguém dá pelo seu rasto. Foi assim Alípio Freitas. Conheci-o em Lisboa,
aquando do lançamento do meu CD em Lisboa, na Sociedade Portuguesa de Autores e
na Associação José Afonso. Apalavrámos uma sua presença na Madeira e,
imprevistamente, ficámos com a sua ausência para sempre. Dói-me muito não ter concretizado esse sonho. Rebobino o filme
da vida e a ferida cresce (sinto-o agora, mais que nunca) ao lembrar-me
que estaria ele encarcerado na prisão da Praia Grande de Santos, em 1972,
quando pessoalmente contactei com padres e bispos da Teologia da Libertação (recordo em especial
Duarte Calheiros, de Volta Redonda, Rio de Janeiro; Hélder da Câmara, de Olinda
e Recife) ) e não consegui visitá-lo. A ditadura militar era implacável.
Aperta-se-me o coração ao constatar
forçosamente que aos heróicos bandeirantes da Verdade e do Bem está reservado
um patíbulo infrene e aos corcundas do espírito, malfeitores sem lei,
sanguessugas ajuramentados espera-lhes
um trono real! Que maldito solo é este - e até quando? - em que a sociedade, o povo, beijará os pés a
um facínora e crucificará no madeiro quem lhe traz o Novo Dia, a sua hora
libertadora?! Por esse chão minado passou o Maior, o Protótipo do Heroísmo. Mas
pior lhe aconteceu: continuou a ser lembrado, só para lhe beberem até ao tutano
o sangue e com ele se locupletarem à mesa dos Judas de todos os tempos. Razão
tinha Antero de Quental, ao discutir diante do Crucifixo: “De que serviu o sangue/ Com que regaste, ó Cristo, as
urzes do calvário”?
Um mês após a curva de caminho em que ‘deixou
de ser visto’ Alípio de Freitas, vislumbro, com ele, o cortejo dos “Humilhados
e Ofendidos”, de toda a História, mas sempre firmes na liça e na luta até ao final,
sem avistar a Terra Prometida (esse o maior espinho no peito do bíblico Moisés)
acode-me à emoção a sentença escrita pelo eloquente poeta moçambicano, Reinaldo
Ferreira: “O Herói serve-se morto”. Duro, mas exacto, como o gelo da pedra fria.
Mas a mágoa transfigura-se em força e
valentia. Os braços mutilados do Combatente desfazem-se em cinza, mas ficam de
guarda as armas do Herói, o seu talento e o rio subterrâneo do seu ideário que, um dia, incerto na hora mas certo no zodíaco do tempo, dará flores e
fruto. Para conforto meu, leio hoje no “El
Mundo” que o assassinato cruel de Miguel Angel Blanco
pelos etarras é hoje reconhecido como o marco inicial para a extinção do
terrorismo interno em Espanha. Já nos advirtia o Mestre:”Uns são os que
semeiam, outros são os que recolhem”. Deles diria Pessoa: “Valeu a pena”! E de
Alípio de Freitas diremos nós: “Essa é a tua glória”!
13.Jul.17
Martins Júnior
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