No arrazoado semântico deste enunciado quero sintetizar a elasticidade material do conceito de Autonomia, extensivo aos mais diversos sectores de uma sociedade organizada. Descendo à profundidade da análise, verificamos que o privilégio autonómico não se esgota num único estatuto social ou administrativo, antes pelo contrário, distribui-se e estrutura-se em diversos planos, todos convergentes para um mesmo objectivo: a realização concertada do serviço público. Ao fim e ao cabo, nisto reside o valor inestimável do Princípio da Subsidiariedade, solenemente reconhecida pelo Tratado de Maastricht.
Assim, é na intersecção dinâmica de
todas e de cada uma das Autonomias que os poderes públicos levam a
cabo a construção do denominado social welfare. Neste entendimento dir-se-á
da Autonomia o que se atribui aos direitos: a minha Autonomia acaba quando
começa a Autonomia do outro.
Para nós, Madeira e Machico, as duas
datas justapostas – 1 e 2 de Julho – são a materialização perfeita do que venho afirmando. Com efeito, oficialmente,
o 1 de Julho releva a Autonomia da Região. E o 2 de Julho, Dia do desembarque
das caravelas henriquinas no Cais do Desembarcadouro, representa a Autonomia da
Freguesia de Machico, consignada à sua Junta.
Duas Autonomias, ambas respeitáveis na
sua essência qualitativa, embora diversas na extensão quantitativa dos poderes
e atribuições. Por isso, posso constatar e afirmar que ontem, 1 de Julho,
anoiteci com a Autonomia da Região e hoje, 2 de Julho despertei com a Autonomia
da minha Freguesia. E porque “a História exalta o triunfo dos vencedores”, (dos
mais poderosos) e, em proporção inversa, subverte os poderes menores, assim também a
nossa comunicação social abre-se toda à efeméride regional, deixando nas pregas
do esquecimento a Autonomia Local. É a vida, diria alguém. Vida injusta,
refractária, antipedagógica! E que devemos corrigi-la.
Mas, se as sebentas diárias assim
procedem, o mesmo não deveria acontecer com quem detém competências
governativas hierarquicamente superiores.
A coincidência cronologicamente similar das duas datas tem de suscitar nos
poderes regionais o culto das Autonomias Locais, Câmaras e Juntas de Freguesia,
mais que não fosse por imperativo constitucional.
Saturámo-nos, num passado recente, das barbaridades de quem, da torre da vigia,
bradava e espumava que “Machico era o terceiro mundo” ou que “Para Machico nem um tostão”. Pior fica, hoje, ao inquilino da mesma torre esticar
os maxilares e, de forma grotesca, imitar ‘o velho ocupante’ esganiçando uns
pregões de feirante barato com aleivosias do mesmo género, que “as Câmaras onde
a Oposição governa são uma nulidade e um prejuízo para a população”. Ele, que
deveria envergonhar-se de o repetir (até porque nem jeito tem para isso) pois,
se recorresse à memória, lembrar-se-ia que a sua primeira ascensão à
presidência autárquica foi-lhe dada de bandeja pelo ‘velho inquilino, seu mecenas’,
quando o verdadeiro presidente eleito bateu com a porta…
Juntei hoje as duas Autonomias num
mesmo palco. Mas que diferença!... Lá nos salões nobres, os enfatuados rapazes
do poder (conheço-os suficientemente nessa veste e de um passado ainda fresco) alinhadinhos, espartilhados
numa importância indisfarçadamente balofa a espadanar “Autonomia, mais Autonomia e ainda mais
Autonomia”, eles que nada fizeram para que a Constituição de Abril reconhecesse
os direitos insulares. O cepticismo leva-me a bocejar de um humor amarelo
torrado.
Ao contrário, em Machico, batiam as
doze badaladas e em pleno campo aberto do centro da cidade, a expressão genuína
da Autonomia Local proclamava a Liberdade,
conquistada a pulso pelas gentes de Machico (alguns já no reino inacessível)
apesar das bastonadas, coronhadas, machadadas infligidas na dignidade “Deste Povo/ Que
trabalha/ E faz o mundo novo”.
01-02.Jul.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário