Por
muitas festas e folguedos que nos cerquem, é impossível passar indiferente a
Pedrógão Grande, como impossível é atravessar o fogo sem chamuscar a pele. Logo
à entrada, uma conclusão linear: um incêndio, tal como uma desgraça, nunca vem
só. É o que se passa diante dos nossos olhos. Acabaram-se os fogos naquela
encosta beirã, outros se reacenderam na praça pública. Incendiários à solta aí
andam nos jornais, nos cafés, nas escolas, nos laboratórios e, sobretudo, no
caldeirão-mór chamado Parlamento. Há quem os chame de bombeiros sem bomba e
até, na gíria do ridículo, ‘treinadores de bancada’. É vê-los por quanto é beco
sem saída a perorar, esbracejar e espumar ciência de cordel, num vale-tudo para
incendiar papel e tinta a granel. Tenho seguido conferências e conferencistas, debates,
debutantes e debutados, especialistas e experimentalistas, todos num tropel de
contradições tais que dariam para colocar as teses e o seu contrário, em
paralelismo esclarecedor. Alguns casos:
Que
deveria repor-se o gado nas serras para limpar os terrenos. Mas logo os
vegetarianos e ambientalistas mandam escorraçar os pobres bichos do seu habitat
natural.
Que
deveriam regressar ao seu estatuto os guardas florestais, ampliar as
Corporações de Bombeiros e pagar-se-lhes um salário melhor. Mas lá vêm os da
guarda, os marinheiros, os precários, os da pré-reforma, os professores, os
médicos, todos com sua razão para puxar o lençol à sua testa, ficando desabados
os pés dos ‘soldados da paz’.
Que
deveriam restabelecer-se os extintos governadores civis como eixos
indispensáveis à coordenação das operações. E do outro lado, a inutilidade do
posto face à descentralização dos poderes e transferências para as autarquias.
Que
deveria combater-se a desertificação do interior. E, ao mesmo tempo,
eliminam-se juntas de freguesia, escolas, agências bancárias, correios e centros
de saúde.
Que
deveria combater-se a proliferação dos eucaliptais. E logo esperneiam os
industriais e os agricultores de poltrona gritar que o sector “garante ao nosso
PIB 2800 milhões de euros anuais através
das pasta e do papel”.
Que
deveria (nem a caça escapa) reinstaurar-se o velho regime cinegético, com
facilidades e apoios aos caçadores, como vigilantes ‘pro bono’ da floresta. No
entanto, não são poucas as suspeitas da classe sobre as vantagens decorrentes dos
incêndios.
Que
deveriam os donos dos latifúndios baldios
ser obrigados a limpar as terras, sob pena de lhes ser retirado o título de
propriedade ou, no mínimo, a vendê-las ao Estado, reinstaurando a sábia “Lei
das Sesmarias”. Mas logo salta o dogma das sanções sobre a propriedade privada,
previstas e punidas no nosso ordenamento jurídico, tanto por lei ordinária como
pela nossa Lei Fundamental.
Para
sintetizar: Que deveriam ser alocar-se verbas substanciais ao planeamento
florestal e ao coberto agrícola, uma vez por todas, já que nunca tal aconteceu
neste país. Porque “a floresta é o nosso futuro”. E de arrasto gritam de outros
quadrantes: “O mar é o nosso futuro”… “A saúde é o nosso futuro”… “A educação é
o nosso futuro”.
Onde
achar quartel para conter tantas chamas e conciliar tantas contradições?!...
No
Fórum da Liberdade, todas as críticas são admitidas e todas as soluções
comportam um valioso peso contributivo. O que repugna, porém, é o virulento
dardejar de setas em fúria por parte de alguns que, tendo culpas antigas no
cartório, irrompem desenfreados, olhos de tição em brasa e cara de barrotes
queimados, bradando e vociferando, como se só agora descobrissem a velha “Caixa
de Pandora” onde sempre viveram acomodados, insensíveis.
Enquanto
a barafunda inunda o espaço, há gente que sofre. Tanto as vítimas inocentes como
aqueles que, por mandato público, são chamados a intervir e resolver. A todos, uma palavra e um voto:
Força, porque a tarefa é imensa, Ars
longa, vita brevis! Tocar na floresta é construir para a eternidade.
29.Jun.17
Martins Júnior
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