De
entre as agitadas diversões deste fim de semana, restará ainda por aí, no
terreiro da vossa casa, uma ponta de
banco tosco onde repousar os ossos e accionar a ignição do pensamento latente
activo?
Pois,
se houver, aqui vai um olhar vespertino sobre a cúpula de um monumento construído
ao longo dos muitos domingos marcados pelos passos do Cristo histórico. Após a
trajectória de uma vida, desde o Nascimento até à Morte, os fenómenos da
Ressurreição, Ascensão e Pentecostes,
eis-nos chegados hoje ao fim da linha: a entronização da denominada “Santíssima Trindade”. É a cereja em cima do
bolo, a chave de ouro com que se fecha o extenso ciclo das comemorações.
Por
imperativo do assunto em causa, serei breve. Cito Lacordaire: “Quando a dor nos
bate à porta, gritamos. Mas quando essa dor é grande, dá-nos para sufocar e calar
o sofrimento”. No lugar de “dor” coloco
o espanto da descoberta ou o seu contrário, o horizonte inatingível, a
pergunta sem resposta, numa palavra, o mistério. É aí, à beira do abismo e cegos pelo golpe
agressivo do sol , que ficamos imóveis, absortos num silêncio de êxtase, sem
achar caminho à frente dos nossos passos.
Tudo
isto, a propósito deste Domingo da “Santíssima Trindade”. Uno e trino! Uma
entidade, a mesma e única, subdividida, transmutada, autónoma em três Pessoas
distintas! Quantos oceanos de tinta invadiram a história da Igreja e das
mentalidades – tinta salgada e amarga -
porque deram origem a debates e combates, dissenções e cismas?!... Teólogos,
doutores, escrituristas, pregadores, hermeneutas, um batalhão incontável de ‘especialistas’,
terçando armas e ideias, lobrigando pelas galáxias da retórica, por vezes
doentia, para descobrir o misterioso paradoxo de “Três em Um” e “Um em Três”…
Nem mesmo a tríplice heteronímia de Fernando Pessoa seria capaz de acender um frágil
fósforo, para alumiar o mistério
trinitário!
Metido
nesta enorme ampola delirante de desvendar o enigma, socorro-me de uma alavanca
que a racionalidade humana me oferece: se é de um mistério que se trata, o que
a Suprema Divindade me pede e exige é que não tente entrar por esse mar estranho,
necessariamente oculto aos meus olhos, porque não me foram dados braços e
pernas para saber nadar nessa fundura. Perder-me-ia, afogar-me-ia, de certeza.
Deus não pode exigir que eu O entenda ou que penetre nos arcanos da Sua
Transcendência, da mesma forma que eu nosso posso exigir à flor do meu jardim
que me entenda ou à mais preciosa pedra de diamante que leia o meu pensamento.
São naturezas diversas, categorias qualitativamente (e infinitamente!)
distintas.
Daqui,
parto para duas conclusões. A primeira é a de duvidar de muitos palradores,
tagarelas de feira que nas suas prédicas, a cada dois minutos, falam de Deus, como se
tratasse de um “tu cá, tu lá” ou como se estivessem a fazer publicidade de um
detergente de supermercado. “Não invocar o Santo Nome de Deus em vão” – está escrito
nas placas de pedra que Moisés transportou aos ombros. A segunda conclusão é a de
vencermos aquele medo visceral que nos
incutiram, desde a infância, perante um
Deus castigador, Justiceiro e Ditador. É verdade que a Transcendência toma a
veste da Imanência, mas isso não nos autoriza a moldar a Divindade à nossa
imagem e semelhança. E é o que mais se vê em formulários estereotipados e em
piedosas devoções.
“Que
é que estão para aí a dizer de Mim?” – poderia Deus interpelar certas pregações,
discussões e elucubrações acerca da sua Essência. Foi esta construção imaginária que atrevidamente (mas civicamente) lancei uma vez no Centro Nacional da
Cultura, em Lisboa, aos doutores da teologia, eclesiásticos e leigos, especialistas
nacionais e estrangeiros, reunidos em conferência. Aliás, foi esta a pergunta que o próprio Cristo fez aos apóstolos (Mt.8, 28-29).
E
hoje diria o mesmo. Com a certeza de que me colocaria – e ainda me coloco – na posição
do vigilante atento ao sopro do Espírito. O Padre José Luís Rodrigues disse-o
também no “Banquete da Palavra” da semana transacta. Permanecermos num silêncio
meditativo.
Afinal,
não fui breve. E o quanto e até onde levar-nos-ia este tema?!
Captarmos
o pensamento genesíaco do Pai-Criador e continuarmo-lo no concreto da
existência… Interiorizarmos a lógica regeneradora do Filho-Salvador… Enchermos os
pulmões da energia dinâmica do Espírito-Renovador
--- eis uma tríplice proposta para homenagearmos e actualizarmos a todo o momento o denominado
mistério da “Santíssima Trindade”!
11.Jun-17
Martins Júnior
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