Sábado,
17 de 17! O Funchal regurgita de sons
que apertam a cidade e fazem as pessoas, sobretudo os estrangeiros, andar num
reboliço de arraial nocturno. Desloquei-me à capital e, entre todas as propostas, optei pela Orquestra
de Bandolins da Madeira, em homenagem ao malogrado animador e maestro Eurico
Martins. Sempre de encantar o virtuosismo dos executantes, com a simpatia
melódica dos mais jovens.
Mas
não era esse o meu enlevo nesta noite quase estival. Era outro o encanto que
ali fora buscar - aquele mesmo que nasce
do fundo das memórias e que tem por nome ‘saudade’. A memória era a do Eurico e
a saudade vinha de mais longe. Conheci o
pai, António, e outros elementos de São Roque, reuníamos-nos na Fundoa e na Capela da Alegria, nas tardes
de domingo. Era a década de 60. Hoje, ao
olhar a ribalta do palco, destacavam-se os 104 anos do “Recreio União da Mocidade”, o agrupamento que deu origem à
actual “Orquestra de Bandolins”. E o meu
deleite de hoje consistia em ultrapassar a imponência da “Sala de Congressos” e
fazer de contas que entrara na oficina
de carpintaria, na mercearia do alto de São Roque, na sala estreita onde,
porventura, começaram a trinar as cordas
do bandolim. Eram essas reminiscências que eu queria imaginar, reconstituir a
azáfama e o amor à arte com que os veteranos de 1913 se ajuntavam para cultivar
o espírito, ao fim de um dia de cultivo da terra ou do ofício. Sem apoios
públicos, sem anúncios publicitários, sem proventos lucrativos, deram o seu
talento congénito para suavizar a vida dura do seu meio nesses tempos de tristeza e, nalguns casos, de
miséria.
Era
esse o meu projecto: render homenagem aos antepassados da hoje “orquestra” e a tantos outros trabalhadores anónimos que,
nos meios rurais, abriram clareiras de cultura onde reinava o obscurantismo.
Chegando,
porém, a casa, deparo-me com a tragédia de vidas calcinadas pelas chamas em
Pedrogão Grande. Ver-se rodeado de lume devorador, num automóvel-prisão fatal,
pais e filhos desesperadamente carbonizados, em fim-de-semana!... Igual ou pior
que a tragédia em Londres!... Tudo isto só me lembra um fatídico 15 de Agosto/67,
quando uma mina anticarro matou 11 amigos meus, um deles, o condutor, consumido
pelas chamas, perante os nossos olhos impotentes…
E
não posso continuar! Desisto da
orquestra e de todas as memórias nesta noite… Peço desculpa.
17.Jun.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário