sábado, 17 de junho de 2017

PARAGEM FORÇADA!



Sábado, 17 de 17!  O Funchal regurgita de sons que apertam a cidade e fazem as pessoas, sobretudo os estrangeiros, andar num reboliço de arraial nocturno. Desloquei-me à capital  e, entre todas as propostas, optei pela Orquestra de Bandolins da Madeira, em homenagem ao malogrado animador e maestro Eurico Martins. Sempre de encantar o virtuosismo dos executantes, com a simpatia melódica dos mais jovens.
Mas não era esse o meu enlevo nesta noite quase estival. Era outro o encanto que ali fora buscar -  aquele mesmo que nasce do fundo das memórias e que tem por nome ‘saudade’. A memória era a do Eurico e a saudade vinha  de mais longe. Conheci o pai, António, e outros elementos de São Roque, reuníamos-nos  na Fundoa e na Capela da Alegria, nas tardes de domingo.  Era a década de 60. Hoje, ao olhar a ribalta do palco, destacavam-se os 104 anos do “Recreio União da  Mocidade”, o agrupamento que deu origem à actual “Orquestra de Bandolins”.  E o meu deleite de hoje consistia em ultrapassar a imponência da “Sala de Congressos” e fazer de contas que entrara  na oficina de carpintaria, na mercearia do alto de São Roque, na sala estreita onde, porventura,  começaram a trinar as cordas do bandolim. Eram essas reminiscências que eu queria imaginar, reconstituir a azáfama e o amor à arte com que os veteranos de 1913 se ajuntavam para cultivar o espírito, ao fim de um dia de cultivo da terra ou do ofício. Sem apoios públicos, sem anúncios publicitários, sem proventos lucrativos, deram o seu talento congénito para suavizar a vida dura do seu meio  nesses tempos de tristeza e, nalguns casos, de miséria.
Era esse o meu projecto: render homenagem aos antepassados da hoje “orquestra”  e a tantos outros trabalhadores anónimos que, nos meios rurais, abriram clareiras de cultura onde reinava o obscurantismo.


Chegando, porém, a casa, deparo-me com a tragédia de vidas calcinadas pelas chamas em Pedrogão Grande. Ver-se rodeado de lume devorador, num automóvel-prisão fatal, pais e filhos desesperadamente carbonizados, em fim-de-semana!... Igual ou pior que a tragédia em Londres!... Tudo isto só me lembra um fatídico 15 de Agosto/67, quando uma mina anticarro matou 11 amigos meus, um deles, o condutor, consumido pelas chamas, perante os nossos olhos impotentes…
E não posso continuar!  Desisto da orquestra e de todas as memórias nesta noite… Peço desculpa.

17.Jun.17

Martins Júnior

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