Ora
aí está uma notícia-paradigma de tantas outras. Tem tanto de aleatório e
charadístico, como de verdadeiro e sugestivo. Começo pelo carácter aleatório e
charadístico, pois que o Presidente da República nunca pôs os pés na Ribeira
Seca. Por outro lado, a veracidade da
notícia: Marcelo Rebelo de Sousa esteve, efectivamente, na Ribeira Seca. Eis
como se pode classificar de falsa uma notícia que é simultaneamente verdadeira. Meia verdade e meia-inverdade. Ou
seja: um título que nada tem a ver com a
realidade local da nossa interpretação. O enigma decifra-se em dois toques
de dedos: “Marcelo Rebelo de Sousa despediu-se dos Açores, na freguesia da
Ribeira Seca, ilha de São Jorge, ao fim de seis dias de visita ao arquipélago”.
É esta a notícia que a comunicação
social difundiu largamente. Está, pois, desvendado o enigma. Aliás, em todas as
ilhas açorianas há sempre uma estância – freguesia ou curso de água – com a
mesma denominação toponímica. O equívoco do texto está no título e, por arrasto,
no leitor desprevenido que, levianamente, nem lê o corpo da notícia ou, se o
lê, deixa-se ludibriar pela superficialidade com que o faz. Não se trata, pois,
da Ribeira Seca, em Machico, mas da Ribeira Seca, da ilha de São Jorge.
Achei sugestiva esta reflexão e
trouxe-a à nossa mesa, propositadamente, para
chamar a atenção acerca de determinada e capciosa técnica de informar, tão em voga nos dias de
hoje, particularmente nos órgãos de comunicação escrita em que os títulos não
correspondem aos factos. São os jornais sensacionalistas, os de tendência, os
de venda rápida, enfim, do “pronto a
vestir” e ao gosto do cliente. Eles por aí têm
andado, de mão em mão, oferecendo-se de
graça ou por um café, ao transeunte desprevenido. Sem rigor, trocando alhos por
bugalhos, desdizendo nas entrelinhas o estrondoso batente que ostentam em grandes
parangonas, quer em títulos quer em gravuras, tão escorregadias e traiçoeiras
como cobras cuspideiras. A omissão ‘ingénua’, o advérbio furtivo, até a própria
pontuação, tudo serve para manchar a brancura de uma atitude ou, em sentido
malevolamente inverso, branquear decisões e comportamentos nocivos à sociedade.
Sei, por experiência, o quanto custa em numerários, exercer cabalmente o
direito de resposta… Olho no escriba!
Saindo destes subterrâneos da má informação,
debruço-me sobre a opção do Presidente da República quanto ao cenário da despedida.
Não escolheu a histórica Ilha Terceira, nem o Parlamento da Horta, nem
mesmo a nobilíssima Ponta Delgada, mas
tão-só a distante Ilha das Fajãs e dentro dela uma Ribeira Seca, povoação com cerca de 1000 habitantes. Tenho para mim
que no pensamento do Presidente está inscrita a primeira estrofe de um grande
poema: Small is Beautiful – é belo
tudo aquilo que é pequeno, singelo. Protótipo acabado desta categoria ético-pedagógica
é Jorge Bergollio, o ‘homem-de-branco’ que desce do trono imperial para abraçar e trazer ao peito os
proscritos da sociedade, atirados às valetas.
Talvez um dia virá em que o título do
texto seja uma realidade plena, inteira e inequívoca, nesta Ilha Primeira, onde
a inscrição “Ribeira Seca” deixe de estar cativa e marginalizada pelos
senhorios deste poio escasso que é a Madeira. Autónoma e livre a ribeira que já
não é Seca, mas cheia!
07.Jun.17
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário