Dobrado
sobre o escantilhão dos caracteres gráficos, aqui de longe, escrevo à mesma
hora em que Lisboa, dentro e fora do Meo
Arena, transborda de sons e tons quentes, solidários – daquela solidariedade
que transforma as cinzas em generosas fogueiras, maiores que os incêndios que
devoraram cinquenta mil hectares de terra beirã. É o genuíno animus
lusitanus, coração pátrio, pronto e aberto à desgraça quando esta nos bate à porta. São as instituições, são os
grandes bancos, com o BCE `na vanguarda, são as igrejas, os padres e os frades,
os cidadãos anónimos que correm pressurosos a amparar os desvalidos, os
imigrantes do lume, foragidos dentro da sua própria casa. Aproveita-se a hora
para tocar a rebate com o badalo de
grandes dádivas na comunicação social. E a sociedade toda, pela boca do
Presidente da República, exclama como
que num assomo de requintado narcisismo. “Não há gente como esta”!
Louvo
a capacidade regeneradora do Povo Português em toda esta tragédia, enquanto me
deixo envolver na manta de lágrimas e retalhos das vítimas e suas inconsoladas famílias. No
entanto, desde as frágeis da orelhas do cidadão comum até às velhas muralhas
das arribas, o que mais troa no ar é um simples e poderoso trissílabo: PRE-VEN-ÇÃO.
Repetem até à exaustão investigadores e
ambientalistas que é na prevenção que
está o ganho, porque mais que remediar, o que vale é prevenir. Esboçam-se planos e traçam-se
programas em conformidade: faltam guardas florestais, é urgente restaurá-los;
os pobres bombeiros ganham pouco e não têm arsenal suficiente para combater os
incêndios; não há quem limpe as matas e “a floresta é o nosso futuro”. São estas as notas que perseguem governantes e
governados, notas mais graves e mais agudas e todas mais gritantes que os
acordes do mega-espectáculo desta noite no Meo Atena.
No
entanto, passadas que forem mais meia-dúzia de luas, quem se lembrará disso?...
Sem querer entrar, hoje, em aspectos parcelares da questão, ouso perguntar:
Estarão os mesmos banqueiros, as mesmas instituições de benemerência, as mesmas
igrejas e congregações na disposição de contribuir para a Prevenção, com os mesmos valores (ou em 50%) do que deram para a Remediação?... Duvido. O que
mais se ouvirá é o estafado e estouvado bocejo: “Isso é lá com o governo”. Criou-se passivamente um inconcebível paradigma fiscal que se resume
a isto: Prevenir é com o governo, Remediar é com o Povo! Como se Prevenir não
fosse o dobro, o triplo, o quádruplo de
Remediar… Toca-se aqui o nervo mórbido da condição humana, infiltrado e cozido
bem dentro de nós, quando acompanhamos religiosamente o funeral de alguém a
quem pouca ou nenhuma atenção prestámos
no decurso da sua atribulada vida.
Gostaria
de dissecar mais aprofundadamente este paradoxo, no que concerne aos incêndios
e às intempéries. Mas deixo-o, por agora, para não empanar o brilho do dadivoso
gesto dos 25 artistas, “Todos Juntos por Petrógão Grande”. Um milhão e duzentos
mil euros!!! Merecem o maior aplauso. Como o merecem todos aqueles que, dentro
ou fora das ONG’s, lutam persistentemente, no silêncio de todos os dias, pela
defesa do ambiente, esta nossa “Casa Comum”,
onde o Homem possa respirar o ar puro da
Segurança e da Saúde.
Mais
vale a Solidariedade viva da Prevenção do
que a Solidariedade póstuma da Destruição.
27.Jun.17
Martins Júnior
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