sexta-feira, 21 de junho de 2019

50 ANOS DE UNIVERSIDADE: RIBEIRA SECA!




Encosto a cabeça ao travesseiro do tempo e uma incontida emoção não me deixa adormecer, só em pensar que amanhã o mesmo sol de há 50 anos vai abrir-me a cortina de um novo dia. Era um Domingo de estio moço, cavalgando o dorso das montanhas e descendo à fundura do vale. O sol de milénios ficou sempre jovem e eu, de jovem, fiquei octogenário de nascimento.
         Após um ano de magistério no Seminário Menor, dois anos de tirocínio no Porto Santo, mais dois na Sé do Funchal e ainda outros dois em terras de Moçambique retalhado pela guerra colonial, eis-me lançado como Édipo diante da esfinge, como Eurico Presbítero diante de Carteia ou como Moisés frente à Terra Prometida. Os mesmos contraditórios sentimentos de timidez e expectativa, de desafio e de aventura!
         Terra verde por fora, mas amachucada por dentro: sem luz, sem estrada, sem água potável, tinha tudo para apagar o poema  dessa manhã clara. Sem escola de gente, muito menos de crianças, não dava senão para vergar o tronco e a cerviz aos servos da gleba cavando a própria sepultura.
Mas o sol foi maior. A esfinge desencantou-se, aberta e sábia. Carteia e Hermenegarda transfiguraram-se. E a terra que parecia ingrata e feia apresentou-se com o louro dos Poetas na fronte. De passada em passada, fui descobrindo que ali era a Minha Universidade. O Livro era o chão de cada dia, a caneta e o computador estavam vivos no bico da enxada, que os Mestres empunhavam com denodo matinal.  E esses,  os meus Mestres, foram as mulheres e os homens que, mesmo com fome e teimoso desalento, alimentavam a cidade.
50 anos aprendidos - alguns sofridos, mas todos erguidos - na mais original “Aula Magna” da Universalidade de conhecimentos e sensações!
 Eu te agradeço, Ribeira – Seca de apelido – mas Rio enorme, pleno da água fértil que dá força e amor à Vida!... 50 anos de curso! Nesta Universidade, júnior e sénior, ainda me considero caloiro, pelo tanto que há por desbravar e saber. E, sobretudo, servir.
Uma saudade sem termo para aqueles que bem mereciam mas já não puderam ver a luz deste ‘seu’ dia! Estamos juntos.
Como Labão pastor, enamorado de Raquel serrana bela, convida-me Camões a cantar:
“……………. E mais servira se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida”.   

21/22.Jun.19
Martins Júnior

3 comentários:

  1. Tanta sabedoria !
    É sempre um prazer enorme ler o "sensoconsenso"
    Um grande abraço.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Uma narrativa sobre um tempo que o próprio tempo inscreveu a pedra na alma e no coração dos habitantes da Ribeira Seca. Mesmo no entardecer do crepúsculo das suas memórias, a Ribeira Seca, será sempre a sua Terra Nova e a sua Terra Prometida.

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