segunda-feira, 3 de junho de 2019

TIAN'ANMEN – 4 DE JUNHO/89


                                                       

Esquece. Sepulta. Arrasa.
É a voz de comando que me aperta a memória. E manda esquecer, enterrar, arrasar a tragédia inominável. Missão impossível, porém. As badaladas desta noite dobram, pesadas, a finados. E são gritos, agonias, são metralhas e bulldozers passeando-se impunemente em cima de ossos, pernas, braços, cabeças, corações. Centenas, milhares de vidas jovens.
Trinta anos rodaram. E trinta dinheiros branquearam o beijo de Judas na face da humanidade toda. Longe de mim qualquer laivo de racismo, mas repugna-me ‘ver’ a insensibilidade e a indiferença com que três escassas décadas fizeram-nos “aceitar” em nossa casa um regime assassino. O vil metal que fez escravo um povo milenar curvou-nos também a nós, que franqueámos os portões e até oferecemos as jóias da família.
  Mas não é só Tian'anmen nos confins asiáticos. Outros Tian'anmen’s nadam em silêncio  nas barrigas de aluguer de cada povo, de cada bandeira, de cada palácio e de cada esquina de bairro. Basta que haja uma só alma e uma só boca que, podendo falar, cobardemente se calem. O grande monstro da horrenda praça chinesa começa a gerar-se no minúsculo invólucro do meu egoísmo e da minha subserviência.
Antes que o dragão de fogo cresça, corte-se-lhe a cabeça! Mesmo que ele nos morda o calcanhar, mesmo que nos pise o pé e nos engula um dedo. A outros foi a própria vida que o monstro devorou. Para que não nos devorasse a nós.
Hoje, no dobrar dos sinos de todo o mundo oiço o clamor da revolta – inteira e, se possível, pacífica – contra a herança de Tian'anmen!

04.Jun.19
Martins Júnior  


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