quarta-feira, 23 de outubro de 2019

“O PAPA JOGADO AO RIO”



Decididamente o Papa é o elo mais fraco.
Quem o faz assim, frágil, isolado, alvo fácil, bradando aos quatro ventos, qual náufrago erguendo o poema heróico no meio das ondas revoltas? Não são os agnósticos, não são os homens da ciência e da arte, nem mesmo os ateus. Quem o difama, então,  quem o chama de herege, quem o ataca tão ferozmente que nem a centenária guarda suíça do Vaticano consegue defendê-lo?... São os seus próprios fâmulos, os da sua casa, sucedâneos dos intolerantes “Familiares da Santa Inquisição”. Eles são cardeais e bispos, eles são “funcionários de Deus”,  amanuenses  clericais e, na base e em força, os fundamentalistas da fé, também chamados de “ultraconservadores católicos” .
”Vimos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar” – apetece cantar, gritar a plenos pulmões a canção que fez renascer o autêntico animus evangelicus, uma alma nova para a Igreja e para o mundo, aquando da proclamação do Concílio Vaticano II, entre 1962-1965. Pois, hoje também  vimos, ouvimos e lemos o que acaba de acontecer em Roma: Católicos ultraconservadores roubaram de uma igreja e deitaram ao rio Tibre  cinco imagens oriundas da Amazónia, as quais representavam a gestação e a exaltação da vida.
Porquê?
Porque  no Sínodo que ora decorre em Roma até 27 de Outubro, o Papa  recebeu com honras oficiais um grupo de  representantes dos povos indígenas da Amazónia… Porque aos que criticavam a sua indumentária nativa, inclusive as vistosas penas ornamentais, o Papa fez saber que elas ali  não eram menos dignas que os barretes cardinalícios… Porque tomou a defesa da ecologia e do respeito pela floresta da Amazónia, contra aqueles que queriam ver o Papa amarrado à sacristia e ao palácio “apostólico”… Porque o Papa censurou e emendou a passividade dos que tornam obrigatória a práxis dogmática do “Sempre foi assim e nada se pode mudar”… Por tudo isto e pela abertura à verdade, à ciência, à natureza, à nossa “Casa Comum”, levantam-se agora os ultraconservadores (nome demasiado pomposo para designar os atrasados costumeiros, paralíticos do espírito) fariseus autocráticos, ditadores intolerantes (como veremos no próximo domingo) que se arrogam ter Deus preso no congelador dos seus crânios e a Religião embalsamada na naftalina do velho baú dos defuntos ignorantes.
A essa “estirpe” de brâmanes intocáveis, o Mestre da Galileia se hoje cá voltasse repetiria com a mesma veemência: ”Raça de víboras, sepulcros caiados por fora e podres por dentro. Vós  não entrais no reino e não deixais ninguém entrar”!
Por isso, repito o que deixei incluso no texto de anteontem: o Papa é o elo mais fraco. “Coitado do Papa Francisco – dizia-me um amigo teólogo -  não o deixam fazer nada, logo lhe caem em cima os corvos e os abutres do Vaticano”. Ao atirarem ao Tibre as cinco imagens que ele acolheu com carinho, foi a ele próprio que os católicos “exemplares”, os ultraconservadores  deitaram ao rio! Temos que resgatá-lo, dar-lhe força e apoio, não apenas recebendo com entusiasmo as suas instruções, mas antecipando-nos na descoberta da verdade, mesmo que isso cause fissuras no castelo de marfim, carunchoso e insalubre de velhos preconceitos com que a ignorância e a deformação do tempo nos marcaram. Tal como o servo ou o subalterno, em qualquer segmento produtivo, adivinha e pressente a vontade última do seu senhor, assim seremos nós, vigilantes e criativos na demanda da verdade, à luz da ciência, da história, do esclarecimento global.
Até em ambientes restritos da nossa quotidiana vivência colectiva, podemos abrir clareiras na paisagem anímica dos nossos “Compagnons de route”. Lendo, estudando, esclarecendo. Connosco, os ultraconservadores (que os há no meio da gente, sobretudo ignorantes) nunca se atreverão a deitar ao mar o Papa Francisco!

23.Out.19
Martins Júnior  

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