sexta-feira, 11 de outubro de 2019

PARA QUE SERVEM SÍNODOS E CONCÍLIOS?


                                         

É uma luva na mão dos dias aquilo que hoje me trouxe ao teclado ‘bloger’. Pelas razões que abaixo direi.
O Sínodo, ora em curso no Vaticano até 27 de Outubro, tem preenchido páginas, ‘écrans’, redes e capilares sem conta da informação global. E bem as merece o epicentro do magno acontecimento. Desde os bastidores até à ribalta do palco, é tudo um deslumbramento feérico, quase esotérico, extraterrestre, celestial: as vestes brilhantes, de um verde moço matinal nos ombros de septua-octogenários, as delicadas rendas agarradas ao escarlate das mangas, as mitras flamejantes, a plenitude salomónica dos coros que se misturam à mística do incenso oriental… Assim se abre e assim se há-de fechar um debate que, entre outros temas, tem a ver com as alterações climatéricas, o aquecimento global e os atentados ambientais, mais intensamente, os crimes do governo Bolsonaro na grande Amazónia.
Grandioso, belíssimo, laudabilíssimo o projecto pontifício que reúne a fina flor dos príncipes da Igreja, com destaque ascensional para bispos, arcebispos e cardeais. Da parte de Francisco Papa não duvido do seu empenho – repetidamente investido em incontáveis lições públicas -  sempre solícito em levar ao mundo a urgência inadiável do seu brado apocalíptico, consignado na encíclica Laudato Si: o respeito pela nossa “Casa Comum”, o Planeta.
No entanto, ouso colar-me à dúvida - se das centenas de antístites e purpurados ali reunidos em assembleia poderá surgir a nova seiva que irrigará e purificará a terra e o ambiente que habitamos. Para  amar a Terra – “ Irmãos, Amai a Terra”. já proclamava  Nietzsche – é preciso mergulhar dentro dela, “trazer o cheiro das ovelhas”, como disse Francisco, lutar frontalmente, ao lado daqueles que as defendem dos lobos devoradores. Não me parece que o cheiro das ovelhas e a transpiração do húmus  criador se acomodem à sumptuosidade das faustosas basílicas. Do mesmo modo, as reformas emanadas dos vértices altaneiros levam décadas e séculos a descer até ao chão onde assentam as bases das pirâmides. Outras vezes, nunca chegam. Não me sai da retina aquela cena (sempre religiosamente aceite) de ver uma grada e bem identificada sotaina vermelha na tomada de posse de Bolsonaro. A diplomacia palaciana não se dá bem ( e nunca deveria dar-se) com a verticalidade pura da Verdade!
Onde quero chegar  com esta minha reflexão?
Por mais sublimes e proclamatórias que sejam as grandes assembleias, os sínodos e as encendradas conclusões aí redigidas, tudo corre o risco de esfumar-se como incenso fútil se não for o povo, os cristãos de base, os pastores nas aldeias, os habitantes da terra a tomarem nas suas próprias mãos a vanguarda das operações. É nas raízes da árvore que reside a garantia de uma boa produção. Não é na ponta dos galhos ou na fronde da ramagem. Tenho para mim que o grande contributo, o maior, que a Igreja poderá dar à civilização é respeitar a identidade dos povos, a sua idiossincrasia, educando-os para assumir eles próprios o amor às causas justas e deixando-os, ampliando se for preciso, conduzir com dignidade e consistência o rumo dos acontecimentos. De pouco ou nada serve sobredourar excelentes citações bíblicas. Não esqueçamos que no Brasil foram, incrivelmente, os “Evangélicos” que deram o poder ao ditador destruidor do pulmão do mundo, a Amazónia.
É preciso que, neste e noutros segmentos da vida em sociedade, as hierarquias não matem a iniciativa dos cristãos de base. Antes pelo contrário, deverão dar livre curso às suas justas reivindicações e estratégias de acção. Foi neste registo positivo que católicos brasileiros, reunidos em Belém do Pará, prepararam o documento reivindicativo que os seus bispos levaram ao Sínodo vaticano. Por isso, no penúltimo ‘blog’ referi-me a uma “Igreja incendiária, anti-bolsonária, revolucionária”! E interrogava-me: Que termos – sinónimos ou antónimos – usaremos para a Igreja europeia, romana, portuguesa, madeirense?
Termino, retomando a ‘luva’ dos dias, com que comecei. É que hoje, precisamente hoje,  comemora-se o dia do Papa João XXIII. Foi ele o Grande Promotor do Concílio Vaticano II. Constituiu o maior acontecimento da Igreja do século XX, a que deram inestimáveis contributos os grandes pensadores e reformadores, de dentro e fora da hierarquia romana. A todos João XXIII recebeu-os e transpôs muitas das suas sábias conclusões para os textos oficiais do Concílio. Na altura, falou-se numa verdadeira revolução de uma Igreja caduca, desencarnada do mundo e da vida. Disse-se mais: Que estávamos perante um Novo Pentecostes.
Era-o, de verdade. Mas, que é que fizeram dele? Alguém o vê por aí?
Os analistas, teólogos, liturgistas, filósofos são unânimes, pelo menos no tocante a Portugal, em afirmar que o Concílio Vaticano II ainda não chegou à Igreja Portuguesa. Ficou-se pelos titulares hierárquicos que o meteram nos arcanos das sacristias. Dizem que só com este Papa Francisco começam a florir as raízes conciliares. Passado mais de meio século!!!
O Concílio Vaticano II  iniciou-se em 1962 e encerrou-se em 1965.       
Sem bases, jamais haverá  vértice. As bases somos nós!    

         11.Out.19
         Martins Júnior

1 comentário:

  1. De aordo com o texto, permite-me fazer uma pequena correção técnica. As raizes, sem dúvida que são uma das partes mais importantes das árvores, mas ée nas folhagens, através da fotosintese que a seiva bruta se transforma em seiva elaborada, o pão das plantas, é através dessa grande função que as plantas nos ajudam, absorvendo o CO2 da atmosfera e libertando o oxigénio....A planta é um conjunto de raízes, caules, folhas, flores, frutos e uma grande rede vascular de por onde circula toda a seiva, nos dois sentidos. Sem folhas as plantas não viveriam...As plantas de folha caduca como o nome indica, ficam sem folhas durante alguns meses e passam por uma dormência em que não gastam o seu "stock" alimentar formado durante o período de actividade da planta e depois usam essas mesmas reservas para iniciar um novo ciclo....Um abraço

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