sábado, 27 de junho de 2020

A DESIGUALDADE, NEGAÇÃO DA ORTODOXIA NA IGREJA


                                                       

De há algum tempo a esta parte, tenho sido tentado a atribuir ao COVID-19  o mesmo título de uma daquelas revistas teatrais do antigo Parque Mayer: “PRONTO a DESPIR”. Porque na realidade se de algum trunfo se pode orgulhar o omnipotente, intocável voador invertebrado é o de nos ter despido a todos: homens, mulheres, novos e velhos, políticos e magnatas, campeões, instituições, reinos e continentes. Todos lhe dobraram a cerviz, abaixaram-lhe o orgulho e obrigaram-se todos a descer do trono e andar descalços no meio da arraia-miuda, fugindo ao bicho ou justificando-se esfarrapadamente  por não lhe poderem pôr cobro.
No meio deste vendaval exterminador, caiu-me a ‘sorte’  de  reencontrar a Carta aos Coríntios, onde Paulo de Tarso faz o elogio da Igualdade, a qual carta suscitou alguns considerandos sobre as religiões, (a Católica, inclusive) cujas práxis teimam em ostentar a Desigualdade nos empolados rituais, no fastígio barroco de certos templos e na requintada  indumentária  herdada do regalismo medieval em que a Igreja se arvorava em árbitro soberano de toda a Europa. Fica-se com a impressão de que todas as sociedades aprenderam os caminhos da humildade e do despojamento, menos Roma, a Católica, não obstante os persistentes esforços do Papa Francisco. Foi o que demonstrei na anterior comunicação.
Eis senão quando, alguém saiu-me ao encontro e deixou escrito no seu comentário uma fortíssima interpelação: “E a Igreja Ortodoxa?”...
 Fortíssima interpelação. Digo mais: pertinente, sábia e indeclinável questão! Permita-me o interlocutor exprimir o meu pensamento sobre o assunto. Desde logo, a Instituição auto-designada de Ortodoxa (refiro-me enquanto instituição e não enquanto comunidade de crentes) apresenta-se como a radical negação de Paulo de Tarso e a mais ridícula e afrontosa deturpação da mensagem nuclear de Jesus de Nazaré.  No cerne desta negatividade está o facto absolutamente indecoroso, para-constitucional e, por isso, deprimente, da submissão da Igreja Ortodoxa e toda a sua hierarquia ao Chefe do país Rússia e respectivo Partido. É  o ‘báculo’ e a ‘mitra’ e a ‘sacralização’ do Estado dito comunista. Primeiro, pelo  necessário agrément do governo na nomeação dos bispos. Depois, pelo histórico da rivalidade em relação ao primado da Cristandade e respectiva sede: Roma no seu início, posteriormente Constantinopla e, agora, pretensamente Moscovo, podendo afirmar-se que se trata, não da Igreja fundacionalmente evangélica, mas de uma Igreja despudoradamente  moscovita, braço ‘esquerdo’ do regime.
Da conjugação destes dois factores resulta um terceiro, aquele sobre o qual têm incidido as nossas reflexões: a magnificência do culto! Desde a decoração ebriamente polícroma do bizantinismo  à indumentária dos clérigos, passando pelo ‘chocalhar’ interminável dos turíbulos de incenso, tudo aquilo é  uma peça de teatro avassalador, capcioso arsenal psico-social dirigido à submissão dos fiéis, vanguarda sagrada do poder divino ao serviço dos novos ‘czares’ do reino. Enfim, o Império da Desigualdade, em tudo contrário à justiça igualitária da Carta Paulina.
É o que sucede à Religião, sempre que os seus hierarcas se submetem aos interesses do mundo, à subserviência dos poderosos, ao tesouro dos  ‘banqueiros eleitos’ – e sempre que o povo deixa perder a sua dignidade, a sua própria autonomia. Assim, também na China. Assim, em todos os regimes totalitários. Assim – afirmo e provo – aqui na Madeira, mutatis mutandis,  durante os últimos 45 anos! Apesar das tentativas dissimuladas que teimam em vingar, começam  a vislumbrar sinais, ainda que ténues, da desintoxicação das mentes e da purificação do ar que todos respiramos.
Oxalá o COVID-19 dispa também a instituição eclesiástica dos ouropéis pseudo-sacros e ressurja na transparência humilde, mas iniludível,  da igualitária Igreja do Nazareno Libertador!         
        
27.jun.20
Martins Júnior


1 comentário:

  1. Perfeito, padre! Nesse contexto estão as festas religiosas que são demasiado pagãs.....

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