terça-feira, 23 de junho de 2020

JUSTIÇA IGUALITÁRIA: 1789 ANOS ANTES DA REVOLUÇÃO FRANCESA – A “MINHA CIRCUNSTÂNCIA”


                                                           

       A “circunstância” é o corpo que dá forma ao sonho. Sem ela, o ser resvala para o não-ser e o sonho definha  num sono hibernal, como flor sem fruto. Por isso,  à  “circunstância” chamar-lhe-ei sol de primavera, estrela da manhã, chão firme e reprodutivo, horizonte irresistível, barca de  bandeira  esvoaçante e bússola segura dentro dela. Todas as metáforas de vanguarda iluminante cabem na “circunstância” orteguiana.
         Hoje, trago à luz do dia a “minha circunstância”. Marcou-me em 22 de Junho de 1969. E por ter completado ontem 51 anos de permanência sem quebra, exponho-a aqui, sucintamente embora, mas com o mesmo brilho de há meio-século, na convicção que a sua força anímica, que moveu montanhas seculares, continuará viva como seiva sempre renovada  e talismã de um mundo ideal, reino habitável, paraíso terreal.
         É de Paulo de Tarso em carta dirigida aos crentes da cidade de Corinto, aplaudindo a campanha  social por eles realizada em prol dos crentes de Roma, os quais atravessavam uma crise aguda de sobrevivência, em tempos de  fome e repressão sob o jugo cruel do  regime imperialista.
         O pensamento é este, imperativo de consciência e ordem de comando: “O que entre nós deve vigorar como o mais importante é o seguinte princípio: a IGUALDADE”. (II aos Coríntios, 8,13). A “circunstância” é esta, permanentemente acesa no meu subconsciente: o citado texto paulino foi o primeiro que se me abriu diante dos olhos, no primeiro acto litúrgico celebrado na comunidade  da Ribeira Seca, aldeia marcada pelos mesmos estigmas de esclavagismo da comunidade cristã na Roma imperial: reprimida pelo regime da colonia e carente dos mais elementares direitos sociais: habitação, água, luz, subsistência alimentar.
         Estava traçada a minha “sina”! Como poderia eu cerrar os olhos ou fechar os ouvidos às angústias que emergiam da terra, aos gritos abafados dos camponeses reduzidos à mísera condição de “servos da gleba”, ao cortar de asas às crianças desprovidas de escola e de esperança?... Diante de mim, a desigualdade mais aberrante, os abismos mais ululantes entre a superabundância dos urbanos e a miséria dos rurais, enfim, a contradição aberta entre a Carta de Paulo  e os códigos dos homens! Silenciar, erguer uma torre sineira e lá  adormecer no sono angélico dos puritanos fideístas, dos mercenários canónicos?... Impossível. Melhor seria voltar as costas e fugir, logo na mesma hora!
          Vale a pena reler a Carta, para descobrir o alcance intemporal de Paulo de Tarso, a sua análise cirúrgica da justiça distributiva: “Não se trata, ó irmãos coríntios, de vos reduzir à miséria para aliviar os outros. Eis o que é necessário: a Igualdade. Nesta altura o vosso supérfluo preenche o que escasseia aos outros. É preciso que triunfe a Igualdade, como vem descrita no Livro Sagrado: Aquele que muito colheu não ficou com excessos e aquele que colheu pouco não sentiu falta de nada”.
         Ideal Supremo da paz e da felicidade no planeta dos homens: IGUALDADE de direitos e oportunidades, IGUALDADE de deveres e contributos. Não foi preciso que a Revolução Francesa proclamasse ao mundo os caminhos da “Liberdade, IGUALDADE, Fraternidade”, porque, 1789 anos antes, já os tinha  proposto Paulo de Tarso!
         À livre e generosa inspiração de quem lê estas considerações deixo o manancial inesgotável da análise crítica perante o desconcerto dos nossos dias, onde os altos cumes da finança, do poder e do saber coabitam escandalosamente com os antros mais fundos da pobreza global. Depois da análise, a acção! É o que continuarei a fazer, na linha daquela “circunstância” epistolar de há 51 anos!

         23.jun.24
         Martins Júnior     
                

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