segunda-feira, 15 de junho de 2020

DE SERVOS DA GLEBA A SENHORES DO SEU REINO: UMA LENDA FEITA REALIDADE!


                                                            

Estendo as mãos com o mesmo afã com que o cavador pega na enxada para deixar lá dentro o castanheiro a haver! Debruço alma e coração com a mesma ternura de quem toca as pétalas do botão em flor!
É nesta estranha  e paradoxal simbiose que me proponho contar uma história, quase lenda, passada num longínquo outeiro que, de tão distante, bem poderia ser o nosso. Era uma vez…
O rapaz regressara dos campos minados da guerrilha colonial. Sonhava encontrar a paz entre as maçãs e as cerejeiras em flor do seu torrão natal. Mas cedo se apercebeu de que passara de uma África negra para uma outra, a África branca. Pouco lhe interessava a cor da pele, porque o importante era o que havia dentro dela. E aí é que descobriu que num e noutro continentes, era a mesma a exploração do mais fraco, escravo da gleba aos pés de sobas e senhorios, privado de cultura, escola, vias de comunicação e, para mais, de fronte sempre caída para a terra, sem hipótese de poder erguê-la para o trono do seu amo e senhor.
O jovem viu então reacender-se dentro do peito a chama do  patriotismo, não o da guerra colonial, mas o único fogo patriótico que urge defender e alastrar – o Humanismo. Daí, despiu a farda e os galões de oficial do exército, dependurou provisoriamente os rendilhados paramentais (era padre, pastor de almas) e atirou-se à terra com o mesmo ardor de quem tira dela o pão para o corpo e o ânimo para o espírito. “Plantou uma vinha no outeiro fértil  (a voz de Isaías Profeta ecoava no seu subconsciente)  cercou-a com uma sebe, limpou-a das pedras, escolheu excelentes vides. No meio dela edificou uma torre e construiu-lhe um lagar”. (Is. 5, 1-2). E viu a terra florir e produzir.
Ele sabia que “as palavras convencem, mas só os exemplos arrastam” e, por isso, logo vieram os camponeses juntar-se-lhe numa campanha  organizada e eficaz para o bem comum. Ganharam o sabor nunca antes experimentado: a sua autonomia na produção e comercialização, a capacidade de se constituírem  em  assembleias, o poder de serem ouvidos ante as instâncias governativas. Foi nesse chão de guerra que faltava a última batalha: libertar os camponeses da mísera condição de servos da gleba, o que decididamente conseguiram, em porfiada luta, sem armas, contra um severo regime feudal que fazia daquele lugar a gostosa coutada dos senhorios.
Chamaram-lhe todos os nomes, o mais dócil, “padre vermelho, comunista, reverendo irreverente e fora-de-lei”, à beira da inquisição clerical. Mas o homem couraçado que nele havia derrubou as ameaças e seguiu avante, qual Padre António Vieira, missionário bandeirante no sertão nordestino. Por fim – que a sua caminhada nunca terá fim! – viu realizada a alegoria profética de Isaías:  o ‘lagar e a torre’ dentro do pomar, a Cooperativa ajustadamente cognominada de Liberdade e, sempre em crescendo, a afirmação jurídico-constitucional  daquele ‘outeiro’ elevado ao mesmo patamar de órgão autárquico, equiparado aos seus congéneres superiormente reconhecidos.
…….
Contada a narrativa como se numa aldeia inóspita acontecesse, logo suscitaria em nós o desejo de saber onde esse outeiro e quem esse  obreiro, líder de um tal povo. E eles aqui tão perto, o outeiro e o homem!
É este o primeiro passo que tomei na Redescoberta do Grande  MÁRIO TAVARES FIGUEIRA. Outros seguir-se-ão, na tentativa de não permitir que a terra lhe coma o corpo (o corpo restituído à terra que ele tanto amou!) nem muito menos lhe destrua a herança imorredoira que nos deixou, como legado perpétuo. Hoje, ative-me ao campo ecológico, na linha de Teilhard de Chardin, que preconizava uma fé evolutiva, a partir do biológico, do chão natural, a Terra.  A mesma linha de Leonardo Boff e de Francisco Papa na capital encíclica Laudato Si, como paradigma e caminho para a plena realização da Pessoa.
Deveria aqui citar os escritos do Padre Tavares, mas já que o formato blog não os comporta, limito-me a uma ínfima partilha, de entre o imenso glossário do seu pensamento:
“A Terra é a horta da qual todos dependemos e é o arsenal para todas as nossas actividades: a vida, o bem-estar, o desenvolvimento, a cidadania, etc.. E, ao mesmo tempo que nos fornece tudo quanto procuramos, a Terra exige a partilha de todos e o suor de cada pessoa. O Planeta Terra não é uma oferta. É parceria. É uma exigência que nos é imposta”.

15.Jun.2020
Martins Júnior    
         

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