sexta-feira, 25 de junho de 2021

ENTRE OS CIPRESTES, O LUAR DE JUNHO…

                                                                     


 

Vi-o descer, em cordas, àquela ‘enxerga’ sem retorno. Desciam com ele também os meus olhos baços.

Ele não era tão jovem para viver nem tão velho para morrer. Não me contive, então,  que não dissesse mais por dentro que por fora: Que mágoa esta!... que nos deixa gelados… que nos aguça a revolta… que nos sepulta e nos emerge na mesma hora!... Que mágoa a deste corpo, quando recém-nascido,  inundou de alegria a nossa mãe… deste corpo que reinventou  caminhos nunca antes desenhados… que lutou contra ventos e marés… que se desfez e refez em tsunamis de amor…  e agora desce impotente, ignoto entre os anónimos de cada instante…

Vim para casa e abri, ao acaso, as folhas soltas dos herdeiros de Juno. Logo à porta Camilo Castelo Branco (1-1890), no primeiro corredor Franz Kafka (3-1924). Na alcova das parturientes sinto os vagidos Garcia Lorca (5-1898), as pupilas coloridas de Gauguin (7-1848) e o sonho febril de Charles Dickens (9-1812). Lado a lado (os séculos são dias…) enquanto agonizava abandonado o génio de Camões (10-1580), outro génio nascia, o de Pessoa (13-1888) e em 15-1970 pintava a última tela Almada Negreiros. Entre os herdeiros de Juno, surgia Adam Smidt (16-1723) e Saramago entrava no fatídico ‘Convento das Memórias’ (18-2010). Muito antes, mas também filhos de Juno, Blaise Pascal trazia da vulva da mãe a promessa de Les Pensées  (19-1623) e na noite da servidão brilhava no berço  de Nuno Álvares Pereira a armadura da libertação (24-1360). Reservadas para coroa real dos dias de Junho estavam em lista de espera os horizontes matinais de George Orwell (25-1903), de Jean Jacques Rousseau (28-1712) e do Petit Prince Antoine de Saint-Exupéry (29-1900). Desde tempos imemoriais, António de Lisboa, João Baptista e Pedro e Paulo emolduraram a silhueta do mês sexto!

Enquanto o fosso inerte engolia o corpo do meu amigo – nem tão jovem nem tão velho – inundava-me até aos ossos o oceano cinzento de todos os corpos que habitaram a mansão de Junho.

Soprei então as cinzas seculares e um braseiro intenso iluminou-me a fronte, sacudiu-me todo. Da sarça ardente, como a do Monte Sinai, saía a voz de todos os tempos: “Morrer é só deixar de ser visto”.

A voz tornou-se grito em linha recta, atou-me à cintura e catapultou-me ao infinito, envolto nesta mortalha de linho doce: Deixa que caia a luva do teu corpo, porque mais alto fica a epopeia das tuas mãos!

 

         25.Jun.21

         Martins Júnior      

 

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