terça-feira, 17 de outubro de 2023

A 9ª SINFONIA DE BEETHOVEN E O ÚLTIMO CONCERTO DE ÓRGÃO DO PADRE JOÃO MENDONÇA

                                                                                  


        Descem do alto os acordes plenos, percorrem as paredes brancas do templo dedicado à Senhora do Guadalupe, mergulham no soalho-caixa de ressonância e penetram no cérebro, coração, vasos capilares, corpo e alma dos muitos participantes que enchem o sacro recinto.

           O director do XII Festival Internacional de Órgão da Madeira, João Vaz, ao apresentar o programa, dedica-o ao grande entusiasta da Arte dos Deuses, o anterior pároco Padre João Mendonça, restaurador do órgão local pelas mãos do abalizado organeiro Dinarte Machado. Coincidência dramática: a essa mesma hora, João Mendonça era já cadáver  na lousa fria  da câmara mortuária. Falecera poucas horas antes de começar o concerto do instrumento ao qual tinha dedicado o mais encendrado empenho. O “seu” último concerto!...

Enquanto se evolavam na grande nave do templo porto-cruzense as sonoridades da tradição sinfónico-teatral da Itália da primeira metade do século XIX, com o sacro belocanto, na voz de Rosana Orsini Brescia e o órgão de Marco Brescia - ali desfilaram Donizetti, Morando, Rossini, Bellini, Davide de Bergamo – ao mesmo tempo também voava o meu pensamento até junto do colega e amigo João Mendonça e (estranha conjunção!) visualizava o grande Teatro de Viena de Áustria, onde decorria a estreia da 9ª Sinfonia, a última do genial compositor: ali estava Ludwing van Beethoven!

Qual a lógica de tal convergência e paradoxal similitude?

Ei-la na sua inteira nudez, tão dramática quanto comovedora:

Beethoven já não conseguiu ouvir a sua obra-prima, atacado que estava pela inexorável surdez. Foi a sua última Sinfonia! E, neste domingo de outono quente, 15 de Outubro,  o Padre João Mendonça também não conseguiu ouvir o inspirador concerto de órgão, saído do instrumento-rei que ajudou a restaurar na sua igreja. Bem podia ele dizer: “Foi o meu último Concerto”!

Hoje, 17 de Outubro, João Mendonça foi a sepultar na sua sua terra natal, Santana. Após o longo percurso ascensional até ao cemitério, ali ficou sob uma colcha polícroma, feita de flores nascidas do chão verde da mais jovem cidade da Madeira.

Aos meus ouvidos ficam ecoando os acordes do órgão do Porto da Cruz e, com eles, em perfeita sintonia, o “Hino da Alegria” – o testamento musical do Padre João Mendonça!

 

 15-17.Out.23

Martins Júnior

         


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