terça-feira, 18 de março de 2025

40 ANOS DE LIBERTAÇÃO

                                                                              


Faz hoje 40 anos! Foi uma madrugada de Abril em Março quase primaveril. A Páscoa antecipada.

Após 18 dias e 18 noites de ataque de forças governamentais invasoras contra um pequeno aglomerado rural indefeso habitando a periferia serrana de Machico – um atentado russo a um pobre rincão ucraniano – os olhos dessa noite vigilante viram fugir os invasores, armas no coldre, peso e vergonha no coração, vencidos pela coragem e pela disciplina cívica do povo sitiado. Povo, templo, quintal e casa comum.

O cenário terrorista, horda tribal, golpe de mão nocturna, antes que o sol abrisse, já foi descrito vezes sem conta – e múltiplas deverão ser sempre repetidas, para que o mundo não esqueça – tudo aconteceu quando no lusco-fusco da manhã 70 policiais, às ordens do governo regional e do bispo do Funchal, sem mandado judicial, invadiram o adro da Ribeira Seca, assaltaram  a residência paroquial e a igreja, de onde sacaram o que lhes apeteceu, inclusive, livros de registo, alfaias litúrgicas, objectos de culto e adereços logísticos.

Felicito o Mestre em Gestão Cultural pela UMa, Severino Olim, por ter assinalado recentemente nas redes sociais e na imprensa diária o rasto viscoso dessa campanha inenarrável, nunca vista em 600 anos da história insular.

Desde o 27 de Fevereiro ao 18 de Março de 1985, o tempo há-de proclamar ao mundo o  fosso tenebroso e, sobre ele, a cúpula triunfal da condição humana: o fosso da aliança incestuosa dos dois poderes, o político e o religioso, sem escrúpulo nem pudor. E, em contradição suprema, a cúpula do poder popular (não haja complexo em dizê-lo, porque foi o povo desarmado o obreiro deste triunfo) um poder caldeado no sofrimento de gerações e gerações amordaçadas pelos senhorios e pelos eclesiásticos. Ainda estão por contar os contornos e, sobretudo, a génese desta epopeia que as autoridades e a comunicação social madeirense de então tudo fizeram para esconder e silenciar.

A religião, tantas vezes usada e  abusada pelos oligarcas, foi nessa altura um esteio libertador, tendo em conta o êxodo dos hebreus escravizados após 40 anos pelo faraó do Egipto . E no Novo Testamento,   a palavra do senador Gamaliel no Sinédrio, cujos juízes se preparavam para mandar matar os apóstolos. Disse Gamaliel:

Não vale a pena, porque se a mensagem desses homens não vem de Deus, ela vai consumir-se por si mesma. Mas se vem de Deus, não há poder que a destrua.  

O povo da Ribeira Seca venceu, porque teve resistência, autodomínio e vigilância sem termo.

Merecia digna comemoração uma efeméride desta grandeza. Atendendo, porém, ao momento de barafunda das naturais diatribes eleitorais, não se deva misturar com isso uma luta genuína, tão limpa e verdadeira, pelos valores superiores da dignidade do homem e da civilização.

 

17-18.Mar.25

Martins Júnior

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Porque no 30º aniversário do acontecimento, saudei-o com o poema alusivo, aqui o reproduzo e ofereço a quem o ler:

 

“ODE PEQUENA PARA UM POVO TÃO GRANDE”

                                               


Vieram os lobos primeiro

Sangue de verniz

No pelo e nas unhas

Sem falas nenhumas

Devoraram num triz

Chaves portas e gonzos

Do Templo  do Povo

 

Mas a sua alma

NÃO !

 

Vieram depois abutres

Beberam com o pão

O vinho novo

Do altar sagrado

 

Mas a sua Fé

NÃO !

 

Vieram negrejandas garras

De bárbaros salteadores

Mais feros que etarras

Arrancaram as luzernas

Que alumiavam o chão

De um Povo sem luz

 

Mas o sol que havia dentro dele

NÃO !

 

Vieram padres da Inquisição

No corpo e nas armas

Da soldadesca sem culpa

Em tortura e de arrastão

Homens jovens mulheres

Atirados à prisão

Só pelo crime

Do amor sublime

Àquilo que é seu

“A mim podes prender-me”

Dizia cada qual

 

“Mas o Povo com razão

Não vais prender

NÃO” !

 

Trinta anos dobrados

Trinta cânticos moldados

De luta

E fogo novo

Bebendo a cicuta

Da taça peçonhenta

Que os facínoras preparam

Para afogar o Povo

Nessa tormenta

 

Mas nem “Vigia” nem “Mitra”

Nem Roma nem Meca

Apagarão a história

E o facho da Vitória

De um Povo – RIBEIRA SECA !!!

                               Fev-Mar. 2015

sexta-feira, 14 de março de 2025

AQUELA FATÍDICA TERÇA-FEIRA, DIA 11: O GOLPE, O ASSASSINO E O SUICIDA-PROVOCADOR

                                                                         


Fosse vivo Almeida Garrett e reescrevesse as suas  VIAGENS NA MINHA TERRA, teria substituído Aquela aziaga sexta-feira, dia 13, pelo texto enunciado em epígrafe: Aquele dia aziago, 11 de março.

O ‘viajante’ do Senso.&Consenso é convidado a fixar em pano de fundo três vezes o 11 (onze) de Março da nossa história recente. São eles todos iguais qualitativamente. E todos diferentes quantitativamente.  

          Comecemos a viagem.

          11 DE MARÇO de 1975 – O PODER DAS ARMAS  

          Era terça-feira.

          O homem forte, general do exército português, medalhado comandante das campanhas coloniais na Guiné e precursor ideológico do “25 de Abril”, enquanto promotor da via diplomática contra a decisão  bélica – pois, esse mesmo, honra e prestígio da Pátria e Primeiro Presidente de Portugal libertado – ele, o próprio, general António de Spínola, convoca numa semi-clandestinidade oficiais do exército e lança a Unidade de Paraquedistas de Tancos contra o RAL 1, de Lisboa, onde estava o capitão Dinis de Almeida com os militares fiéis ao espírito do “25 de Abril” de 1974. Passado menos de um ano, estava o Povo Português à  beira de uma guerra civil sangrenta.  

A ânsia do poder pelo poder das armas!

Felizmente, fez-se a reconciliação. Não por obra dos oficiais superiores, mas pela visão directa dos subalternos e da intuição moderadora do jornalista da RTP em serviço, Adelino Gomes. Militares ‘invasores’ de Tancos abraçam-se radiosos, até com lágrimas nos olhos, aos militares ‘sitiados’ do RAL 1. O cabecilha da revolta abortada foge, de helicóptero, para Espanha.

O dia aziago transformou-se em dia de festa.

11 FEVEREIRO DE 2020 – O PODER ASSASSINO DO “COVID”                      


Abria-se a manhã e, oficialmente em Portugal, logo nos assaltaram as garras do dragão chinês que saltara a grande muralha e, cego de ira silencioso de armas, veio tragar milhares, milhões de vítimas   indefesas, sem olhar a cor, estado, crença ou continente, desde o idoso em fim de marcha até à criança de berço que vê a primeira luz do sol nascente. Malfadado dia 11 que fez de todo o mundo um interminável corredor da morte diante dos nossos olhos derrotados e  impotentes.

  Mas, de outra face e outro olhar - auspicioso e feliz DIA 11 DE MARÇO DE 2020! Foi o abraço de gerações, as verdadeiras nações unidas do planeta! Todos os cientistas e todos os laboratórios de todos os continentes sentiram o clamoroso apelo  da solidariedade global até encontrar a taumatúrgica vacina, arma silenciosa  que pela mão humana      derrotou a morte e restaurou a vida!

          11 DE MARÇO DE  2025 – O PODER DO SUICIDA DENTRO DE CASA E PROVOCADOR NA RUA

                                     


          Foi também uma terça-feira. Aziaga, diria Garrett. Fatídica, mortífera, suicida, dizem os factos.  Que viperina poção letal têm as terças-feiras nascidas na capicua nº 11?!  

O corpo de delito em três lances:

1º - O governo AD, escasso de corpo, débil de forças diante dos adversários, nunca se sentiu seguro no fio onde caminhava. Era minoritário. E o trauma da insegurança veio logo à entrada:

a)   O Programa do Governo, na iminência de ser liminarmente rejeitado pelo plenário da Assembleia da República, foi salvo pelo PS.  

b)   O Orçamento do Estado, também à beira do colapso, foi reabilitado pelo PS e aguentou o governo. Mais tarde, o partido da extrema-direita faz cheque-mate  com a arma fatal da

c)    Moção de Censura, pela qual o governo cairia.  E, mais uma vez, foi o PS que não o deixou bater no fundo do abismo. Mas a ameaça de morte não ficou por aqui. Logo depois, pela margem esquerda vem o PCP e atira o míssil balístico infalível, com uma repetida

d)   Moção de Censura, atiçando o plenário para mandar borda fora toda a equipa  do governo. Bastava um simples clic. Mas, pela quarta vez, o PS disse  Não! Não o deixou naufragar. Pelo PS, o governo fica. Tem carta branca para continuar a governar.

 

2º - E quando se esperava que o governo regozijasse de vitória e, porventura, esboçasse um gesto de congratulação e até de gratidão ao PS, eis que ele surge na sua própria face, tocado pelo síndrome do suicida compulsivo: “Matem.me, senão sou eu mesmo que vou montar a forca para me matar”.

3º - Conhecendo desde o início os propósitos do plenário, prepara a corda, dependura-a regimentalmente em plena Assembleia Regional. A corda foi buscá-la dentro de casa – a Menção de Confiança – e, pronto, vai ser hoje. ‘Hoje vão fazer-me a vontade’.

Dito e feito.

“O governo suicidou-se” – afirmou peremptoriamente o historiador e analista Pacheco Pereira, ao comentar na CNN/Portugal a capciosa armadilha da AD, porque excedentária (o governo tinha tudo para governar) contraditória, numa palavra, suicidária.

A quem se há-de comparar um tão abstruso contorcionismo psico-

-político da AD?... São imensas as hipóteses. Deixo duas apenas: a do incendiário que decide pegar fogo à sua própria casa e lança culpas ao vizinho que não veio apagar o incêndio. Ou a do terrorista  que escapou das duas bombas que  os adversários lhe puseram em casa, mas agora é ele mesmo a colocar debaixo da mesa a bomba atómica, na mira que o Seguro lhe faça uma suite.

          Aqui, o Seguro é o Povo, milhões de portugueses que o suicida provocador  obriga a eleições desnecessárias. Saiba o Seguro analisar e segurar-se.

          Fatídica terça-feira, 11 de Março! Oxalá acabe em bem e a bem do grande Segurador – o Povo Português!

         

          11-15.Mar.25

          Martins Júnior

         

 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

“EU NÃO ESTOU AQUI…NÃO MORRI… PORQUE VIVO EM TI”

  A terra  treme, o mar agita-se e as goelas  vorazes dos tsunamis  devoram pessoas e bens.  É esta a saga do nosso quotidiano. Porque os tsunamis  são muitos  e outros. Fica-nos a percepção de que só há presente, um presente trágico, esquecemos que o tempo oceânico tem  três mares que, sendo diversos, há um canal ‘panamaense’ que os une.

Além do Presente, há um Passado e um Futuro.  Para não nos perdermos na voragem do Presente incerto, é preciso reactivar o Canal da Memória e ver ao redor,  navegar o Passado,  de olhos postos na bandeira presa à âncora segura - sempre a Memória – que nos salva das ondas revoltas.

Pensamento este, que me acompanha desde Domingo, tem a ver com o “23 de Fevereiro”,  todos os anos lembrado, cantado, ressuscitado, desde 1987, quando JOSÉ AFONSO nos deixou.

         Os trepidantes abalos públicos – desde ameaças americanas, trocas de reféns prisioneiros em Gaza e Telavive, graves morbilidades papais, corrupções nacionais – em meio do turbilhão eclipsou-se a evocação gloriosa do Cantor da Liberdade, Precursor do “25 de Abril”. Não que ele precise ou espere homenagens. Ainda em vida rejeitou-as, homenagens, medalhas e condecorações. Nós é que precisamos dele. O mundo precisa dele, da sua voz, da sua mensagem libertadora.

         Eu não esqueci. E comigo, todos quantos almejam o mundo que ele sonhou, onde todos possamos respirar e cantar. Por isso, nesta semana que é sua, recorro à âncora da  Memória e deixo aqui os sentimentos que outrora vivi junto à sua campa rasa,  em 23 de Fevereiro de 2017.

 

         25-27.Fev.2025

         Martins Júnior

              

Nem mausoléu nem flores

Nem mesmo campa rasa

Nem tubas nem tambores

Não me tragam rosas bem-me-queres

Porque eu não estou aqui

Nunca foi esta a minha casa

 

Vagueio errante mas não errado

E estou sempre onde estiveres

Do outro lado

Onde o sol corta a vidraça negra opaca

Dos humanos covis

 

Eu estou em ti

Tu és o meu país

Que desbravo e cavo

Para encontrar

Vermelho como um cravo

O corpo morto do meu povo cativo

 

Se o trouxeres quente redivivo

Eu estou lá

E levas-me contigo

Sem medo e ‘maior que o pensamento’

porque és tu aquele amigo

Que eu chamo a cada momento

 

Sou eu que te procuro

E pego no teu braço

Para esconjurar o fosso escuro

Dos tarrafais fechados nas ruas

Nas fábricas nos montes nos rios a-céu-aberto

No casebre ou na vivenda onde tu moras

 

Se avisares a ‘malta do que faz falta’

Se afrontares os ‘vampiros’ de todas as horas

A tua voz será mais alta

Que as mais sonoras

Baladas ‘verde maio verde milho’

Deste migrante ‘andarilho’

 

Não me tragam mais troféus

Nem me lembrem mais os pides as prisões

Nem palmas nem medalhões

 

Porque eu ando por aí

Em tudo o que canta

Em tudo o que clama

Em tudo o que se alevanta

E olhando o sol sorri

Eu não morri

Porque vivo em ti

domingo, 23 de fevereiro de 2025

TRUMP FALOU - PAPA CALOU !

                                                              


Aconteceu.

Em termos fácticos, é essa a leitura directa do anátema do imperador do Capitólio de Washington D.C. contra o inquilino do Capitólio do Vaticano: “Meta-se nas coisas da Igreja e deixe de falar nos imigrantes, que isso é comigo”.  Por fatalidade de momento - a pneumonia bilateral - calou-se o Papa Francisco.

Mas há outra leitura, mais funda e dramática,  do mesmo facto.

Para entendê-la, é preciso recorrer a um evento recente num dos palácios de Sintra, Portugal, acontecimento tão marcante na essência quanto silenciado, quase clandestino no fórum dos media. Conta-se em meia dúzia de vocábulos comuns a tantos outros episódios do quotidiano: Num dos palacetes de Sintra reuniram-se bispos e cardeais da Igreja Católica, em número de 80 (oitenta). Entrevistado o Cardeal Patriarca de Lisboa, respondeu não ter sido consultado nem convidado para este ‘mini-conclave’.

Pelos corredores dos arciprestados e da CEF (Conferência Episcopal Portuguesa), vagueia um murmúrio sibilino, equivalente a um comentário  enigmático: Esses 80 dignitários eclesiásticos pertencem à ala mais conservadora da Igreja, portanto, opositora da pastoral renovadora de Francisco Papa. O seu antecessor, Bento XVI, não conseguiu aguentar o vendaval cardinalício da velha trupe romana, à qual atribuiu o contundente qualificativo de “abutres do Vaticano”. Mais resiliente e audaz tem sido Jorge Bergoglio, numa guerra surda, armadilhada pela ala conservadora, de que fazem parte os Oitenta, reunidos em Sintra.

Outro facto, também recente:

Nesta luta acirrada anti-Francisco arrogou-se, como cerra-fila do batalhão, o ‘pontífice’ da máfia pseudo-cristã que, lá no paiol dourado de Washington, vocifera e atira  à cara do defensor dos pobres refugiados a bomba-rolha mais obscena, atentatória da missão de um verdadeiro mensageiro evangélico: Meta-se o Papa nas coisas da Igreja e deixe da mão os imigrantes, esse assunto é comigo.

Para quem navega na dúvida persistente, aí tem de contornos bem definidos a dialéctica em que se debate, desde há dezassete séculos, a instituição Igreja: Para uns, Ela é mais um reino deste mundo, erguendo--se o Papa como Monarca Imperador. Para outros, a Igreja não é “um reino deste mundo”, como respondeu Jesus no tribunal de Pôncio Pilatos. E, por coerência necessária, o Papa é o Servus servorum Dei, o Servo dos servos de Deus. Para aqueles, o assento do Papa é um trono, ao lado de Trump, Putin, Netanyahou.  Para estes, o lugar do Papa é a cruz, onde estão os marginalizados, os excluídos, os migrantes, os oprimidos, os quais o Papa quer tirá-los dessa cruz onde estão crucificados.

   A que Igreja e a que Papa (ou a que cardeais, bispos, padres) pertencem os crentes, os cristãos?... E fiquem com este pré-aviso: o rei—-sombra dos EUA, Elon Musk, anda a rondar, a serpentear, os cardeais eleitores para entronizarem no Capitólio Romano um Papa à medida do Capitólio de Washington D.C..

Mais que a pré-agonia física é essa a agonia mais profunda de Francisco, o Incompreendido Sósia do Nazareno, intérprete fidedigno da vida e da palavra de Jesus, o crucificado pelos sumos-sacerdotes do Templo de Jerusalém. Quem lhe há-de suceder?

Respondam os crentes. São estes, os súbditos, os “servos”, os cristãos de base a única força espiritual que pode fazer a Igreja regressar às fontes originárias do Evangelho. Sendo o mais forte, o Papa será sempre o elo mais fraco. A palavra de ordem, pois,  é uma evidência: a militância e a coerência, não de Oitenta, mas de muitos, de todos os Milhões  de autênticos católicos cristãos!

Assunto sério - de ontem, de hoje e de sempre.

21-23.Fev.25

Martins Júnior

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

VIDA E MORTE NO ABRAÇO DO MESMO BERÇO!

                                                             


                       

    Não abundam os momentos em que a morte se confunde com a vida. No mesmo percurso para a sepultura misturam-se em altissonante uníssono os clamores da alvorada nascente. São raros, mas aconteceram nesta segunda-feira de Fevereiro toda pintada de azul e branco, que encheram literalmente os media, desde o estádio, a praça, a rua e até ao templo episcopal, cujo celebrante se revestiu de uma rara paramentaria cor das ondas marinhas e do céu em apogeu de verão.

A vida e a morte num jogo de espelhos, tão intrínseco e empolgante que quase sempre é esta que reflecte o brilho daquela! Afinal, ambos viajam no abraço de um mesmo berço.   Já os antigos definiam sabiamente esta paradoxal realidade num aforismo clássico: Talis vita, finis ita – tal vida, tal morte.

O fim traduz a validade do início e do meio da maratona  existencial. E, sobretudo, do critério do júri – o indefinido júri, sem rosto, mas que se torna lobby social, o todo colectivo, pendente do gosto, da moda e do local. Concretizando:

Onde a música é rainha, aí é a guitarra de Carlos Paredes que emerge, vibrante e ágil, do fundo secular da sepultura. Onde o futebol é rei, também é ele que reina, radioso e cego, desde o mar ao cimo das montanhas. Onde o poder totalitário narcotiza a multidão, é o ditador Putin que sobe em nuvens de incenso ao altar das pátrias.  Onde, ao invés, gerações amordaçadas pela ditadura não se resignam sob o cepo esmagador, o trono real pertence ao herói Navalny e a todos os que, mesmo no sepulcro, cortam as algemas  de um povo que tem direito à Vida e à Liberdade.    

Há, ainda, o critério da territorialidade, genético, tribal, que do nativo nortenho faz um deus – no funeral de Pinto da Costa, alguém chamou-o “Papa” – e do sulista transforma-o num vilão. Ou vice-versa. Critério geográfico - que ostenta mausoléu ao americano e atira às feras o africano. Critério religioso - mais precisamente, pseudo-religioso - que no Capitólio Vaticano canoniza, eleva aos céus o católico romano. E ao muçulmano passa-lhe irreversível guia de marcha para o inferno. Há ainda o critério da lavagem mecânica - em que o rolo da morte, sendo negra, passa a branquear as negritudes da vida.   

Outros critérios, outros nomes, outros pretextos cabem nestes parágrafos, os quais facilmente podem descortinar-se em todas os rituais fúnebres, dos mais humildes aos mais faustosos. Mas de todos, apenas uma conclusão se me afigura serena, imponente, embora quase impercetível a olho nu: o relativismo dos panegíricos, a volatilidade dos mausoléus.

Relativos e voláteis, tanto os discursos como os marmóreos epitáfios: assemelham-se a fogos fátuos, cadentes. Ademais, são inaudíveis e extemporâneos. Tenho para mim que os homenageados defuntos – “pó caído” – se lhes fosse possível reagir diriam,  estoicos e indiferentes: “Deixem--me em paz. Elogios, agora? Não, obrigado. Já não vos oiço. Em vida é que deles eu precisava, para cumprir melhor o meu lugar. Agora é tarde – tarde demais”.

Sei quanto é questionável esta minha  percepção. Mas ela é apoiada por décadas de vivências concretas junto ao féretro de  “gregos e troianos”. E com tal propósito que se tornou uma opção testamentária. Dispenso discursos e rituais.  Mais: Prefiro  críticas em vida do que elogios na morte. As críticas ajudar-me-ão a recentrar prioridades existenciais, os elogios sumir-se-ão num punhado de cinzas inúteis.

Honremos os que “da lei da morte se vão libertando”.

Enquanto vivos!

E vivos sempre serão se lhes seguirmos as pegadas luminosas que deixaram na nossa estrada! Que, sem alarde nem vanglória, um dia deixaremos para outros!

 

15-17.Fev.25

Martins Júnior

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

HIPERMERCADO ELEITORAL – UM HINO À LIBERDADE!

                                                                        


Volta a animar-se o palco insular da campana eleitoral, que tanto pode configurar-se, para uns,  com o frenesi de uma arena como, para outros, toma o cenário de baile de máscaras em  rodopio de carnaval. Basta olhar para cada esquina ou para cada tapume de cabouco de obras, atravessar cada ponte de passagem rápida e ver  reflectidas nas águas correntes e nas nossas pupilas estampas de risos-facetas, olhos famintos dos nossos impulsos, palavras, palavras, muitas palavras quase todas sinónimas, enfim, um espectáculo de cor e som, de entrada livre e sem custos para o consumidor-à-força.

          Como cidadão, congratulo-me com a profusão da oferta – partidos e coligações, ao todo, quatorze! 1316 almas! – oferta que se confunde com a procura sedenta de um dos quarenta e sete assentos no parlamento. Motivo da minha congratulação: a Liberdade a-céu-aberto, ou seja, sem medo de aceder à ribalta, digamos que à arena, onde a brigada dos poderosos fazia tremer o chão da liça e o público das bancadas, como se os forcados desarmados tivessem de confrontar-se com um touro – actualmente - de 50 anos de engorda.

          Felicito todos os candidatos, porque eu sou daquele tempo em que candidatar-se em oposição ao plenipotenciário detentor do regime comparava-se aos condenados às feras do Coliseu Romano sob  o comando do  polegar imperador. Sim, prezados candidatos, não imaginais as dificuldades em encontrar corpos e almas de coragem férrea para entrar na luta, dispostos a enxovalhos, agressões físicas, ameaças a familiares. Era a repetida guerra entre o humilde pegureiro David contra o arregimentado e furibundo Golias. Por isso, o meu sincero júbilo por ver descarbonizada a atmosfera político-partidária que permite o surgimento de tantos e tantas madeirenses participantes nas eleições  desta segunda década do século XXI.

          Para que sejam completas e comunicáveis as minhas felicitações, quero crer que os ardorosos candidatos sejam movidos por ideais superiores, construtores de uma terra insular de coração planetário, sem ambições revanchistas ou mesquinhos interesses particulares. Quero pressupor que são portadores de mérito pessoal e colectivo e que não tenham sido chamados à Lista por fidelidades ‘caninas’ ao chefe, nem por viperinas manobras de eirós de águas estagnadas, onde os penedos escondem os perniciosos vírus que trazem no bucho.

          Tenho fé que, abstraídos os reparos do parágrafo anterior, todos os candidatos – a começar sobretudo pelos partidos mais pequenos - transportam no seu íntimo  horizontes programáticos, os mais alevantados em prol de um Mundo Melhor, de um Ar Respirável, a partir desta língua  de ouro esparsa no azul cerúleo do Mar Atlântico.

 

          11-13.Fev.25

          Martins Júnior

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

QUAL DOS TRÊS É O MAIOR? – BARÓMETRO DE UMA CIVILIZAÇÃO

                                                                       


                                  

Neste monte de vendavais em que está transformada a comunicação, três ápices brilharam no vértice dos acontecimentos: a escritora lusa MARIA

TERESA HORTA, o imã AGA KHAN IV e, sem deixar de ser português, o madeirense CRISTIANO RONALDO.

É excedentário ousar responder à pergunta formulada em epígrafe, até porque toda a resposta dependerá dos critérios micro ou tele-

-scópicos com que se hão--de olhar os ilustres ocupantes do pódio glorioso. E por isso, chegaremos à conclusão de que todos são grandes, cada qual na sua especialidade singular. Mas, por altíssima que seja a notação atribuída, não estaremos perante o nível de valores de um país ou de uma região. É a conclusão que a sabedoria popular codificou no provérbio sobejamente conhecido Uma andorinha não faz o verão.

          Para aquilatar-se cabalmente da escala de valores de um povo, o critério seguro consistirá na resposta às seguintes questões fulcrais: que consomem os consumidores? Que vêem os espectadores? Em que crêem os crentes?... Não está em causa o produtor, não se discute o artista nem a fé do pregador. A lupa está do lado de fora. Que peso e que medida usa o observador para valorar o observado?... Em que grau de sensibilidade está o paladar do convidado diante da especiosa ementa que lhe é oferecida no banquete global?...

          Não será preciso recorrer a sofisticados algoritmos da IA para ver a olho-nu que, dos três galardoados ora em apreço, foi o mais pequeno de berço, rebento exíguo de uma exígua parcela entre ilhas e continentes, foi ele, o ‘nosso’ CR7, que a todos suplantou, no tsunami das estatísticas mundiais: aurora boreal das intermináveis 24 horas de translação planetária, vulcão sideral  cuja lava poliglota inundou montes e vales, desertos  e oceanos, babilónicos jardins suspensos e ignotos lugarejos da idade da pedra lascada! Venha o nosso épico quinhentista e acrescente mais um  ao Olimpo dos seus imortais “barões assinalados”.

          Adeus, talentosa poetisa e lutadora pela dignidade das mulheres, nossas irmãs, esposas e mães! Adeus, generoso imã, benemérito da humanidade! Adeus, adeus, porque (agora vem Camões) “Outro valor mais alto se alevanta”…

          Não se trata de linguagem hjperbólica o que acabo de escrever. É a fria leitura dos números. Mais: é a temperatura do barómetro civilizacional do nosso século XXI, aquele que nós próprios fabricamos e de que somos forçados consumidores.

          Estaremos na rota regressiva da história, aos tempos de anestesia colectiva e depauperamento psíquico sob a capciosa “tutela” de poderosas forças totalitárias?!... Assim o imperador romano iludia os súbditos com os famosos panem et circenses. Assim o salazarismo fascista neutralizava os portugueses com os  miraculosos três efes: futebol, fátima e fado.

          Aos felizes contemplados, merecidos parabéns.

          E um voto: Transforme-se cada um de nós em válido elevador social no barómetro da civilização a que pertencemos.

         

07-09.Fev.25

          Martins Júnior