quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

“EU NÃO ESTOU AQUI…NÃO MORRI… PORQUE VIVO EM TI”

  A terra  treme, o mar agita-se e as goelas  vorazes dos tsunamis  devoram pessoas e bens.  É esta a saga do nosso quotidiano. Porque os tsunamis  são muitos  e outros. Fica-nos a percepção de que só há presente, um presente trágico, esquecemos que o tempo oceânico tem  três mares que, sendo diversos, há um canal ‘panamaense’ que os une.

Além do Presente, há um Passado e um Futuro.  Para não nos perdermos na voragem do Presente incerto, é preciso reactivar o Canal da Memória e ver ao redor,  navegar o Passado,  de olhos postos na bandeira presa à âncora segura - sempre a Memória – que nos salva das ondas revoltas.

Pensamento este, que me acompanha desde Domingo, tem a ver com o “23 de Fevereiro”,  todos os anos lembrado, cantado, ressuscitado, desde 1987, quando JOSÉ AFONSO nos deixou.

         Os trepidantes abalos públicos – desde ameaças americanas, trocas de reféns prisioneiros em Gaza e Telavive, graves morbilidades papais, corrupções nacionais – em meio do turbilhão eclipsou-se a evocação gloriosa do Cantor da Liberdade, Precursor do “25 de Abril”. Não que ele precise ou espere homenagens. Ainda em vida rejeitou-as, homenagens, medalhas e condecorações. Nós é que precisamos dele. O mundo precisa dele, da sua voz, da sua mensagem libertadora.

         Eu não esqueci. E comigo, todos quantos almejam o mundo que ele sonhou, onde todos possamos respirar e cantar. Por isso, nesta semana que é sua, recorro à âncora da  Memória e deixo aqui os sentimentos que outrora vivi junto à sua campa rasa,  em 23 de Fevereiro de 2017.

 

         25-27.Fev.2025

         Martins Júnior

              

Nem mausoléu nem flores

Nem mesmo campa rasa

Nem tubas nem tambores

Não me tragam rosas bem-me-queres

Porque eu não estou aqui

Nunca foi esta a minha casa

 

Vagueio errante mas não errado

E estou sempre onde estiveres

Do outro lado

Onde o sol corta a vidraça negra opaca

Dos humanos covis

 

Eu estou em ti

Tu és o meu país

Que desbravo e cavo

Para encontrar

Vermelho como um cravo

O corpo morto do meu povo cativo

 

Se o trouxeres quente redivivo

Eu estou lá

E levas-me contigo

Sem medo e ‘maior que o pensamento’

porque és tu aquele amigo

Que eu chamo a cada momento

 

Sou eu que te procuro

E pego no teu braço

Para esconjurar o fosso escuro

Dos tarrafais fechados nas ruas

Nas fábricas nos montes nos rios a-céu-aberto

No casebre ou na vivenda onde tu moras

 

Se avisares a ‘malta do que faz falta’

Se afrontares os ‘vampiros’ de todas as horas

A tua voz será mais alta

Que as mais sonoras

Baladas ‘verde maio verde milho’

Deste migrante ‘andarilho’

 

Não me tragam mais troféus

Nem me lembrem mais os pides as prisões

Nem palmas nem medalhões

 

Porque eu ando por aí

Em tudo o que canta

Em tudo o que clama

Em tudo o que se alevanta

E olhando o sol sorri

Eu não morri

Porque vivo em ti

Sem comentários:

Enviar um comentário