terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

VIDA E MORTE NO ABRAÇO DO MESMO BERÇO!

                                                             


                       

    Não abundam os momentos em que a morte se confunde com a vida. No mesmo percurso para a sepultura misturam-se em altissonante uníssono os clamores da alvorada nascente. São raros, mas aconteceram nesta segunda-feira de Fevereiro toda pintada de azul e branco, que encheram literalmente os media, desde o estádio, a praça, a rua e até ao templo episcopal, cujo celebrante se revestiu de uma rara paramentaria cor das ondas marinhas e do céu em apogeu de verão.

A vida e a morte num jogo de espelhos, tão intrínseco e empolgante que quase sempre é esta que reflecte o brilho daquela! Afinal, ambos viajam no abraço de um mesmo berço.   Já os antigos definiam sabiamente esta paradoxal realidade num aforismo clássico: Talis vita, finis ita – tal vida, tal morte.

O fim traduz a validade do início e do meio da maratona  existencial. E, sobretudo, do critério do júri – o indefinido júri, sem rosto, mas que se torna lobby social, o todo colectivo, pendente do gosto, da moda e do local. Concretizando:

Onde a música é rainha, aí é a guitarra de Carlos Paredes que emerge, vibrante e ágil, do fundo secular da sepultura. Onde o futebol é rei, também é ele que reina, radioso e cego, desde o mar ao cimo das montanhas. Onde o poder totalitário narcotiza a multidão, é o ditador Putin que sobe em nuvens de incenso ao altar das pátrias.  Onde, ao invés, gerações amordaçadas pela ditadura não se resignam sob o cepo esmagador, o trono real pertence ao herói Navalny e a todos os que, mesmo no sepulcro, cortam as algemas  de um povo que tem direito à Vida e à Liberdade.    

Há, ainda, o critério da territorialidade, genético, tribal, que do nativo nortenho faz um deus – no funeral de Pinto da Costa, alguém chamou-o “Papa” – e do sulista transforma-o num vilão. Ou vice-versa. Critério geográfico - que ostenta mausoléu ao americano e atira às feras o africano. Critério religioso - mais precisamente, pseudo-religioso - que no Capitólio Vaticano canoniza, eleva aos céus o católico romano. E ao muçulmano passa-lhe irreversível guia de marcha para o inferno. Há ainda o critério da lavagem mecânica - em que o rolo da morte, sendo negra, passa a branquear as negritudes da vida.   

Outros critérios, outros nomes, outros pretextos cabem nestes parágrafos, os quais facilmente podem descortinar-se em todas os rituais fúnebres, dos mais humildes aos mais faustosos. Mas de todos, apenas uma conclusão se me afigura serena, imponente, embora quase impercetível a olho nu: o relativismo dos panegíricos, a volatilidade dos mausoléus.

Relativos e voláteis, tanto os discursos como os marmóreos epitáfios: assemelham-se a fogos fátuos, cadentes. Ademais, são inaudíveis e extemporâneos. Tenho para mim que os homenageados defuntos – “pó caído” – se lhes fosse possível reagir diriam,  estoicos e indiferentes: “Deixem--me em paz. Elogios, agora? Não, obrigado. Já não vos oiço. Em vida é que deles eu precisava, para cumprir melhor o meu lugar. Agora é tarde – tarde demais”.

Sei quanto é questionável esta minha  percepção. Mas ela é apoiada por décadas de vivências concretas junto ao féretro de  “gregos e troianos”. E com tal propósito que se tornou uma opção testamentária. Dispenso discursos e rituais.  Mais: Prefiro  críticas em vida do que elogios na morte. As críticas ajudar-me-ão a recentrar prioridades existenciais, os elogios sumir-se-ão num punhado de cinzas inúteis.

Honremos os que “da lei da morte se vão libertando”.

Enquanto vivos!

E vivos sempre serão se lhes seguirmos as pegadas luminosas que deixaram na nossa estrada! Que, sem alarde nem vanglória, um dia deixaremos para outros!

 

15-17.Fev.25

Martins Júnior

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