A intermitência voraz dos
acontecimentos e a amplificação ensurdecedora que lhe dão os media – guerras
militares, guerras territoriais, guerras comerciais – retiram-nos a capacidade
de nos fixarmos no essencial e acabamos por deixar fugir entre a corrente o que de mais precioso tem o
ser humano: o poder de análise, a visibilidade crítica, a direcção certa na
acção.
Não
assim o estatuto deste Senso&Consenso. Por isso, não largamos ao
vento a cerimónia da tomada de posse de Donald Trump, mais concretamente o
discurso de Mariann Budde, a hierarca da Igreja Episcopal de St. John, de que
fizemos eco no anterior blog.
Que eloquência de pensamento e que
coragem evangélica de Mulher! Deixa a
léguas a cobardia híbrida de certos homens hierarcas da Igreja Católica, ao
contrariar, ali mesmo e face a face, o omnipotente Trump e o seu programa
político, pomposamente anunciado na véspera!
Falta
analisar a atitude comportamental do novo-velho eleito presidente. Após a
aparente displicência e o mal disfarçado
azedume durante toda a cerimónia religiosa, Trump traduz toda a acrimónia interior
em três rounds, cá fora diante da sua corte: 1º - Aquele
discurso não foi nada emocionante, pois não. 2º - Ela devia ter feito
coisa melhor, ela é pouco inteligente e foi muito desagradável. 3º - A pseudo-bispa e a sua Igreja Episcopal devem um pedido público de desculpa aos americanos por aquilo que
disse !
É
a reacção directa dos ditadores, auto-considerados intocáveis, habituados a que
as igrejas e as religiões lhes estendam passadeiras vermelhas e fumeguem nuvens
de incenso à sua passagem. E os eclesiásticos, a começar pelas eminências patriarcais,
castrados física e mentalmente, rendem-se-lhes como tapetes de cozinha,
parceiros do mesmo poder incestuoso – repugnante e nauseabunda opção que deu
razão ao grande luminar, génio do Cristianismo, Santo Agostinho de Hipona, ao definir
a Igreja, já no longínquo século V, com
esta degradante nomenclatura: Ecclesia Casta Meretrix.
Desconheço o sistema de
vasos comunicantes entre política e religião nos EUA, mas as recentes retaliações
de Trump no seio do aparelho administrativo e judiciário levam-nos a
temer o clima de repressão que o regime trumpista é capaz de desencadear contra Mariann Budde e
a sua Igreja. É o que tentarei acompanhar.
Para nós, portugueses da
Madeira e do Continente, não é matéria nova. Quer no tempo da ditadura salazarista,
que vitimou, entre outros, o bispo do
Porto, António ferreira Gomes, o de Nampula, Manuel Vieira Pinto, o pároco dos
Jerónimos, padre José Felicidade Alves – quer na musculatura da chamada
Autonomia madeirense que fez da Igreja, padres e bispos, autênticas marionetes a
baixo-custo e perseguiu, humilhou, diabolizou quem, dentro do clero, esboçasse
o mínimo gesto ante a pró-ditadura vigente. Pena faz e mais que pena, vergonha,
quando uma entidade dotada de superioridade ética e espiritual, na linha da sua matriz original, se deixa manipular e
desventrar às mãos de poderes encharcados de peçonha e insaciável sofreguidão.
Onde pretendo chegar com
este olhar sobre o primeiro dia do novo--velho regime americano?
Só a isto:
Se em todas as escolas,
universidades, assembleias locais ou regionais e se em todas as igrejas
houvesse uma Mariann Budde e aí se proclamasse
a sua mensagem, nunca teria ousado
Donald Trump vazar tamanhas enormidades e tão ferozes ameaças na bandeira de um
país maior da democracia mundial! Na bandeira, no povo e em todo o mundo
civilizado.
Porque mais forte que as
armas e o dinheiro é o pensamento. O discurso do líder, seja ele político, pregador
ou comediante, reflecte a mentalidade do seu público. Daí, o axioma: Cada
povo tem o governo que merece. Por isso, são os pedagogos, os honestos e
esclarecidos formadores das mentalidades – numa cátedra ou no mais humilde
lugarejo, pela voz ou pela escrita ou pela net – são eles, os que
ensinam o povo a pensar, os verdadeiros construtores e vencedores da história.
Stop, Louk and Listen – o melhor antídoto contra o vírus estonteante
dos malabaristas ditadores. Parar para pensat,
ouvir para entender, olhar para decidir e marcar o rumo!
03-05.Jan.25
Martins Júnior
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