domingo, 3 de novembro de 2024

ENROLAR A CORDA AO PESCOÇO ENQUANTO AS MÃOS BATEM PALMAS ?!

                                                                       



        

Mais uma semana que se juntou à anterior. Na Semana Europeia dedicada à Pobreza, suas causas e consequências, acompanhei de perto as iniciativas sob a égide da Rede Europeia Anti-Pobreza, com particular atenção às intervenções do seu presidente, Monsenhor Agostinho Cesário Jardim Moreira, sobretudo no que concerne ao longo percurso geracional para erradicar uma só família desse degradado fosso em que caiu.

E, no mesmo meio comunicacional em que escrevo, terminei os meus considerandos com duas constatações pesadas mas tremendamente concretas, públicas e notórias e, a vários níveis,  perturbadoras. A primeira é a de que nenhum pobre sai da pobreza enquanto estiver passivamente à espera das migalhas que sobram da caridade dos seus exploradores, os magnatas. A segunda, pior, execrável, é a de quando são os pobres a assinar, pelas próprias mãos,  a inexorável sentença de ”miseráveis para sempre”. Assinam o documentam e alegremente entregam-no aos seus próprios carrascos.

É o que mais uma vez se comprova na actual conjuntura das eleições presidenciais da grande Nação Americana. Abstraindo-me da torrente vociferante e peçonhenta do candidato republicano, fixo a minha análise naquilo que enunciei no parágrafo anterior: O maior apoio, o mais maciço, a favor de Trump, provém das classes camponesas, desinformadas, das periferias suburbanas e aldeãs, a que se juntam as religiões, sobretudo as evangélicas. Ao passo que  a população urbana, informada e civilizada, de pensamento aberto e livre, posiciona-se ao lado de Kamela Harris. No primeiro  caso, é o assalto à pobreza bicéfala - a material e a cultural - ao serviço do grande capital, personificado em Trump, maquiavélico, capaz de moer milhares de pobres para fazer um rico, ele mesmo! É o vale tudo. E aí vem o cúmulo da prova: o super-milionário Elon MusK oferece um milhão de dólares por dia ao feliz contemplado que assinar o documento que ele propõe. E os pobres subscritores não vêem ou não sabem o velho ditado: “oferecer um chouriço para depois exigir um porco”. É a degradação do voto e a humilhação do votante.

Quanto à imigração - a bomba nuclear trumpista, que tem vilipendiado e escarnecido à exaustão  os imigrantes radicados nos Estados Unidos – fica o mundo estarrecido ao ouvir as respostas da maior parte desses imigrantes aos jornalistas : “Vamos votar Trump”. Diabolizados e agradecidos! Só na barbárie do Império Romano, em que os pobres condenados às feras desfilavam diante do Imperador, obrigados a dizer: “Morituri te salutant” - Os que vão morrer saúdam-te!

E que diremos nós ao tomarmos conhecimento da última notícia difundida pela comunicação social americana: o mais desenfreado apoiante trumpista, Elon Musk, “entrou ilegalmente nos Estados Unidos”. Foi, portanto, um imigrante ilegal. Fosse Trump o presidente, ele nem punha os pés em solo americano. A imundície de carácter de que é capaz um ser humano! E de que são capazes todos os acéfalos que vão atrás do cheque/milhões que ele sorteia todos os dias antes do 5 de Novembro!

Daqui de longe, faço um único voto:

Que o americano do século XXI dê ao mundo a imagem da sua verdadeira identidade, Democracia, Multiculturalismo, Ambição Maior, a de não correr mais atrás de um fardo de palha, dourado por fora, mas cheio de chumbo, cinismo e corrupção por dentro.

Por outras palavras:

Que o americano do século XXI apague o viscoso cartaz com que, no século XX, um escritor de renome titulou o seu livro: “América, Um País de Carneiros”!

Que seja um Natal Global o 5 de Novembro de 2024 !!!

 

21-31.Out.24

Martins Júnior

domingo, 20 de outubro de 2024

UMA SEMANA DE SEIS DIAS PARA UMA POBREZA DE MILÉNIOS !!!

                                                                           


 

          Foi uma semana de seis dias para albergar uma caterva interminável de milénios, os  vencidos e os vincendos: do passado, do presente e do futuro. Trazem na fronte esquálida e no traje andrajoso a marca da sua indisfarçável  identidade: os pobres. Em cena mais restrita esteve a Rede Europeia Anti-Pobreza, mas na rede vieram todos os guetos, cantos e recantos de todo o mundo, com maior espanto os que vivem connosco, à nossa beira, dentro e fora de cada um de nós.

                     Habituados e placidamente ancorados ao cais da nossa comunicação social - dominada pela minoria governante que se ufana de representar a absoluta maioria dos governados – ficamos em sobressalto quando as estatísticas nos vêm informar (e sacudir!) que as Pérolas Atlânticas, Açores e Madeira, vão nuas, despromovidas e, em vez dos propagandeados anúncios   de prostituta fina (como lhe chamou um dia o seu autocognominado ‘dono’ quase vitalício) afinal andamos nós, madeirenses, com 20.000 pobres às costas, todos os dias. E por ficarem nas nossas costas nem damos por eles ou nem sentimos o peso que carregamos.

                     Da avalanche noticiosa quotidiana, o som e o tom que nos chegam é o de que somos a nota máxima das Região Insulares turísticas  do mundo, a melhor rede cibernética dos media, a maior cobertura eléctrica, a mais rica  em termos aquíferos, o melhor clima, a mais vasta Laurissilva, a mais avançada assistência médica, o maior porto de  cruzeiros, o mais ‘genuíno’ carnaval carioca, a mais excêntrica Festa da Flor e – cereja cruzada em cima do bolo laranja-azul cerúleo – o melhor futebolista do planeta! Em tudo e arredores, somos os maiores e os melhores. E, para acabar com qualquer ruído adverso, a banda arrasa-o, ‘com brio e independência’, rufando até à surdez: A Economia cresce!

                     É aqui que entra - e remexe o lixo do palácio publicitário ilhéu – a denúncia feita em plena capital madeirense pelo presidente nacional da Rede Europeia Anti-Pobreza, Monsenhor Agostinho Cesário Jardim Moreira: “Apregoam que o crescimento económico está em alta, mas esse crescimento não chega às pessoas”.

                     Conheço suficientemente a personalidade e o pensamento de Jardim Moreira, a sua frontalidade positiva e construtiva, desde o dia em que o vi discursar em dia emblemático, 10 de Dezembro de 2010, aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,  no salão nobre da Assembleia da República, perante ministros e deputados, onde sinalizou em termos vigorosos a trajectória e consequente estratégia para a erradicação da pobreza: “Sabendo-se que são necessárias cinco gerações para que uma família estigmatizada pela poreza saia dessa condição, não bastam políticas assistencialistas ou intervenções cirúrgicas sazonais. O que se reclama é uma estratégia de futuro, assente no corpus legislativo que sai desta Casa e rigorosamente aplicado pelo poder executivo”.

                     E aqui na Madeira, nesta Semana Anti-Pobreza, ousou mapear o caminho para a luta dos Direitos Humanos, nesta área social, impantando como indicador primeiro e último a seguinte  predisposição: “É preciso muita humildade para ver a Verdade e agir em conformidade”. Isto dito, no salão nobre da Assembleia Legislativa Regional, face a face de Presidentes, Deputados. Secretários e as chamadas forças vivas da governação.

                     “Não é vergonha ser pobre”, cantou a nossa imortal Amália, E eu acresento: pobre, sem culpa. Mas vergonha maior não há e mais desumana que normalizar assimetrias gritantes, estrangular mil almas para fazer um rico, deixar passar a céu-aberto o fétido esgoto da corrupção, abrir as comportas ao crime organizado nas off-shores em território incógnito.      

                     Pode o Papa enviar cartas a Deus e à sua Justiça, mas os tribunais divinos não têm sucursais neste mundo. Podem as instâncias caritativas matar a fome de um dia ou de uma geração, mas com isso não tiram da pobreza uma única família. É preciso mais. É preciso que os pobres atirem borda-fora as migalhas que caem da mesa dos ricos e, em vez disso, lutar, votar contra os arvorados benfeitores de circunstância. É  preciso ouvir e agir conforme o veredicto de Vinicius de Morais, no Operário Em Construção.

                     É caso para lançar outro pregão: Pobres de Todo o Mundo, UNI-VOS”.

                     Os Impérios também caem. Como caíram o Império Romano, o Império Britânico, o Império Português. E como esperamos ver frito e condenado a pagar aos vassalos o ‘inabalável’ Império dos Salgados Santos Espíritos!

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

DO FIM DO MUNDO NASCE O SOL PARA A EUROPA: MENSAGENS DO PRÉMIO NOBEL

                                                                        


Conforme o decidido nesta página de convívio total, trago hoje mais um lampejo de positividade e optimismo, que a Academia de Oslo deu a conhecer ao mundo, ontem e hoje: a atribuição do Nobel de Literatura à escritora sul-coreana Han Kang e o Nobel da Paz à colectividade japonesa Nohan Idankyo.

“Do fim do mundo” – foi a expressão timbrada pelo pacifista Jorge Bergoglio, hoje Papa Francisco, quando este, em 2013,  foi votado para  Supremo Pontífice da Igreja Católica e Chefe do Estado do Vaticano: “Foram buscar-me ao fim do mundo”. Pois, de mais longe, a extremo-nórdica europeia, a Suécia, foi buscar o sol ao extremo oriente asiático: Japão e Coreia do Sul.

Não é de um olhar superficial, anual e rotineiro, a outorga destes dois  Prémio Nobel/2024.

Na Literatura exalta-se a Mulher criativa e assertiva, ela é a 18ª Mulher, entre os 117 laureados, todos homens, desde a atribuição deste troféu. Acresce o espírito universalista do júri que ultrapassou as ‘vitalícias’ fronteiras dos hegemónicos monopólios autocognominados de  culturais e navegou até aos mares do Pacífico para daí extrair e fazer brilhar as pérolas escondidas nas recônditas pregas do tempo e do lugar. Por fim, ressalta com redobrado vigor a activista e denunciante da ditadura sul-coreana que, em 1980, mandou carregar barbaramente sobre os estudantes contestatários do regime. Os livros de Han Kang, traduzidos nas edições ‘D. Quixote’ – Atos Humanos, Vegetariana, entre outros – revelam o talento de quem sabe transmitir uma mensagem libertadora numa linguagem poética, contagiante e persuasiva.

                                                    


A Paz – o pão que a humanidade mais anseia porque  o não tem – onde foi buscá-la o júri do norte europeu? Não aos parlamentos ditos pacifistas, não aos areópagos das organizações mundiais nem aos arcanos dos templos de votos pios. Foi mais longe e mais fundo: aos cemitérios longínquos dos territórios nipónicos, onde estão sepultados, mirrados, pulverizados os cadáveres de milhares de seres humanos, vítimas da bomba atómica que os americanos fizeram explodir em 1945. Precisamente à ‘Nahon Hidankyo’ - uma organização constituída em 1956 pelas vítimas sobreviventes da criminosa tragédia de Nagazaky e Hiroshima.

Mais que qualquer discurso, tratado político ou proclamação ou oração pontifícia, falará mais alto este pregão silencioso, mas  omnissonante, do Prémio Nobel, qual glorioso Grito do Ipiranga global, a avisar esses fantasmas russo-norcoreano, iraniano e hipotéticos conspiradores do nuclear que, perante a barbárie de Nagazaky e Hiroshima (some-se-lhes Chernobil) não passam de loucos à solta num mundo que não é deles.

Parabéns à Academia Sueca pelo testemunho de coragem, de humanismo, dado aos inquilinos efémeros do Planeta.

Apraz-me, com sentida emoção, reproduzir agora em 2024 a canção que em 1986 os jovens da Ribeira Seca cantaram e coreografaram e, mais tarde, gravaram no CD: Machico, Terra de Abril”:

No chão onde houver baionetas,

Sombra ou sinal de canhão

Vamos plantar violetas

Cravos rosas em botão

 

Nagazaky, Hiroshima,

Chernobil e nuclear

Sempre a rebate e acima

Vamos os sinos tocar

 

            11.Out.24

            Martins Júnior 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

RECEPTADORES DE PROMESSAS E RICOS DE LEPRA: PEÇA EM QUATRO BREVES ACTOS NO II LIVRO DOS REIS

                                                                         


ACTO I

O General Naaman, Chefe das Forças Armadas da Síria, é acometido de lepra e não encontra no seu país nem médico nem curandeiro que lhe dêem cura. Aconselham-no a deslocar-se até à Judeia, onde habita o Profeta Eliseu, famoso pelos milagres que faz. Contrariado pelo orgulho de oficial superior, os oficiais subalternos  convencem-no da viagem. Leva consigo sacas de ouro e prata e, ainda, vestes sumptuosas, ao estilo da época, para pagamento em caso de sucesso..

Acto II

Eliseu recebe à porta de casa o General que mostra a sua desilusão e até indignação, porque o Profeta não fez nenhuma oração nem deitou nenhuma bênção: mandou-o tomar banho (sete mergulhos) no rio Jordão. Embora contrariado no seu orgulho de superior militar sírio, seguiu o conselho. E, qual o espanto, após o sétimo mergulho, o corpo achou-se limpo da lepra e “a sua carne ficou como a de uma criança recém-nascida”.

 

ACTO III

Volta o General à casa de Eliseu e pede ao Profeta que aceite as sacas cheias de ouro e de prata, bem como as vestes solenes, em pagamento ao Deus-Iahveh, preciosa oferta que Eliseu, sob juramento sagrado, se recusa a aceitar. Regressa o General à Síria com a sua comitiva.

 

ACTO IV

 

Giési, o ajudante (ou sacristão) de Eliseu, tinha assistido à cena, deixa Naaman afastar-se a alguma distância, monta o seu ginete, alcança a comitiva e diz ao General que afinal o Profeta aceita a oferta. Traz para casa a fortuna, esconde-a, mas Eliseu chama-o, interroga-o sobre o caso, Giési diz que não fez nada de censurável. Mas o Profeta dita a sentença, em nome de Deus: “Giési, eu vi tudo. Agora estás rico com a fortuna que do General recebeste. Mas vais ficar com mais outra coisa que ele te deu:  a lepra que ele tinha. E nesse mesmo instante Giési ficou completamente leproso.

 

Para mais pormenores, consulte o II Livro dos Reis, capitulo 6º na Bíblia Sagrada. E tire as suas conclusões.

O meu comentário consigna-se numa pergunta tão simples: Esse Deus, do Profeta Eliseu, esse Deus ainda existe?... E se existe, que faria Ele hoje?...

 

09.Out.24

Martins Júnior

 

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

FATÍDICO DIA 7 – ENTRE SETEMBRO E OUTUBRO !!!

                                                                               


Estranha contradição:  “7” na numerologia bíblica é símbolo de perfeição, acabamento, cúpula do ser – os Sete dias da Criação do mundo, os Sete candelabros do Templo de Jerusalém. Nos tempos que correm, o SETE entre SETEmbro e Outubro fala-nos de destruição, cheira a sangue e prenuncia morte.

         Nem me demoro na evidência bárbara que nos entra em casa a toda a hora: o massacre de 1.200 vítimas do terrorismo do ‘Hamas’ e os 42.000 assassinatos perpetrados pelo bombismo de ‘Israel’. Um avatar sangrento, cujos autores terão fim sem verem o fim do monstro que fabricaram!

         Em dia oportuno, prefiro recordar o 7 de Setembro de 1972, quando senti ‘ao vivo’ o patriotismo genuíno do povo brasileiro na comemoração da sua independência em 1822. Estando eu em Olinda e Recife, assisti a um espectáculo estruturalmente popular nas instalações e  jardins do Paço Episcopal, entregue à população  pelo Arcebispo Helder da Câmara, o tal, apelidado de “bispo vermelho, comunista”, defensor acérrimo da dignidade do ser humano em todas as latitudes e de quem ouvi este corajoso pregão, em tempo da ditadura militar e perante a grande multidão que ali estava: “Dizem os ditadores que eu não quero o progresso do Brasil. Falso! Eu quero o progresso do meu país, mas com os brasileiros, pelos brasileiros e para os brasileiros”. Uma Igreja, uma Religião pelo Povo e contra a ditadura.

         E, ainda no Brasil, trago à página o ocorrido em São Paulo, mais precisamente  no triângulo ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano), com maior incidência em São Bernardo do Campo, onde as eleições para a prefeitura dominam ontem e hoje os seus 810.000 habitantes. Cidade metalúrgica por excelência, “terra sagrada da classe operária”, como lhe chamou o presidente da maior central sindical do Brasil, Moisés Selerges, reconhecendo ele próprio o declínio da esquerda, uma bizarra conjuntura que o jornalista Meyerfeld, na edição de Le Monde de anteontem, resume nestes termos: “Durante cinco décadas consecutivas Lula e São Bernardo do Campo formavam um só. E na segunda volta das eleições presidenciais de 2018, foram 59,57% os sãobernardenses que votaram Jair Bolsonaro”.  

         Perante tão anómala situação, uma outra lhe dá o tom: o candidato indicado por Lula não é um cidadão afecto à esquerda e ao lulismo, mas um pastor evangélico, Luiz Fernando Teixeira, empresário de sucesso, fotografado entre fiéis da sua igreja e outros pastores ultraconservadores. Seu lema é “pela vida e pela família”. E proclama o seu ideário: “Leio a Bíblia todos os dias. A prioridade da minha vida é Cristo e depois o meu próximo”.  Está à vista de todo o mundo uma inquietante inversão de metodologias  sociológicas que se disfarçam numa tal mistela de opções, que o próprio Moisés Selerges comenta, não sem uma nesga de desilusão: “Os pobres acreditam e recorrem mais ao pastor do que ao delegado sindical”.

         Por seu lado, nos Estados Unidos da América, Luís Cabrera, pastor evangélico de uma considerável comunidade latina ( de antigos imigrantes) e fanático apoiante de Ronald Trump, declara abertamente que é dever da Igreja fazer campanha pelo ex-presidente. E fá-lo sem apelo nem agravo – e sem um pingo de pudor – nas homilias do ritual litúrgico a que preside: “Deus está a espera do voto dos eleitores. E não pode ser outro”.

         Enigmática, invertebrada e camaleónica religião que tanto dá para canonizar a vítima e o assassino, erguendo altar-cadafalso onde ao mesmo tempo se adora Deus e o Diabo!  Insuportável deturpação dos valores religiosos e deplorável inversão da estratégia libertadora da acção que ao homem – e só a ele – é devida e exigida.

         Dia “7”, da Senhora do Rosário. Em Roma, o Papa Francisco bem se esforça por chamar a Senhora para acabar a guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Podem esperar sentados, porque a casa de Maria, segundo a lenda feita história, já não está lá. Foi transportada pelos anjos para o Loreto de Itália.

          Faz agora um mês, também no dia “7”, que outros “cinco maléficos magníficos”, os do crime organizado, evadiram-se da cadeia de … Vale dos Judeus. Os judeus de Israel, os palestinianos do Hamas, os Lulas e Bolsonaros, os evangélicos da América invocam o seu deus, será o mesmo? O Papa Francisco apela à Senhora do Rosário. E a que deus ou a que  deusa terão prometido vela os celerados para saltar os muros de Vale de Judeus?...

         Até quando viveremos numa cegueira de fabrico próprio e, por isso, incurável ?!

         Quando aprenderemos a lição de um Profeta do século XX, Hélder da Câmara ?!     

    

         07.Out.24

         Martins Júnior

sábado, 5 de outubro de 2024

COMO PODE TER NORTE UM BARCO COM COMANDANTE DESNORTEADO?!...

 

Tão cedo interrompo o propósito de, nestas páginas, só dar guarida ao lado positivo dos acontecimentos, tal como aquela lua cheia subindo ao céu por sobre o inferno das montanhas a arder. Por isso, quero reduzir a  poucos parágrafos o espectáculo deprimente  de uma dobadoira rolante, sem direcção, que tem sido dado aos portugueses nestes dias últimos.

Que o mundo anda em transe neurótico é a evidência que começa no chão trágico de Gaza, do Líbano, do Sudão e entra nas nossas casas. Mas o que não se esperava é que fosse dos pacíficos jardins de Belém que rebentassem os fluidos gazes de desestabilização, tremores públicos, “instabilidade social”, numa palavra, de neurose colectiva. Tudo porquê?... “ Alerta, Portugueses! Aí vem o monstro, o furacão assassino, o Armagedon do Fim do Mundo”. E tem um nome híbrido: Dissolução do Parlamento-Convocação de Eleições.

Lá anda, por Seca e Meca, o Inquilino de Belém, entre Profeta da Desgraça e Velho do Restelo, como suprema testemunha de jeová, a ameaçar de porta em porta, de praça em praça, de feira em feira, “Por amor de Deus, evitem a catástrofe nacional”, o dilúvio europeu, que vem arrasar Portugal. Vade retro, abrenuntio!

Mas não é este o mesmo?, que há uns anos andou a pintar por quanto é muro da opinião pública os ferozes dinossauros da mesma Dissolução, campanha nauseabunda , repetida, ensandwuichada, nos media, até na tomada de posse de um governo legitimamente votado  pela população. Afogueado como um combatente e enxuto como um bacalhau, não hesita: desfaz mesmo o Parlamento Nacional composto de uma maioria absoluta, constitucional, segura, imbatível. No gabinete belenense, ele e só ele derruba o estável para dar lugar ao instável, o certo pelo incerto, enfim, a paz institucional pela guerrilha eleitoral, na paranoica sofreguidão de levar ao trono os seus gémeos partidários: ele, pai, parteiro e padrinho deste feitiço, que agora se volta contra o feiticeiro e do qual não pode livrar-se, tirando-lhe o pouco sono que ainda lhe resta, mendigando, rastejando “não caiam na loucura de chumbar o Orçamento”, até chegar ao cúmulo de faltar ao compromisso internacional assumido com a Letónia e a Polónia. Não pode abandonar o país, por dois ou três dias, porque julga-se Luís Vaz de Camões salvando com os braços no ar o Lusíada Orçamento da AD do ciclone que ele próprio desencadeou.

Por aqui me quedo, sem o mínimo interesse de entrar nessa hilariante arena ‘Orçamento ou Morte’, mas apenas para exprimir o que um qualquer  português  médio sente: não nos tomem por parvos e não projectem em nós o desconcerto que abala a(s) cabeça(s) mandante(s) em fim de ciclo.

E, sobretudo, para penitenciar-me por também ter votado no desconexo Dissolutor de Parlamentos.

 

05.Out.24

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

MACHICO NA BIBLIOTECA NACIONAL – LISBOA

                                                                     


               

Na realidade, o pódio magistral estava reservado a DANIEL PIRES, o “Mestre dos Investigadores”. E só por ele, Machico entrou no Átrio da grande catedral do livro, a Biblioteca Nacional, ao Campo Grande. Lisboa.

    Foi a chave de ouro que fechou o outonal setembrão. Lá dentro, uma coroa estelar de quinze escultores do verbo – escritores, filósofos, poetas, historiadores, cientistas, enfim, investigadores  - desenhou o perfil inteiro do “Mestre e Doutor”, cavaleiro andante que deambulou pelas terras e mares por onde naufragou  Luis Vaz de Camões e  pelas  cátedras da sábia curiosidade de Wenceslaw de Moraes, Camilo Pessanha e, antes, o visionário Fernão Mendes Pinto. Para quem se habituara a ver em Daniel Pires o cidadão pacato, humilde, quase anónimo no desenrolar do tropel quotidiano, ficou assombrado com o planisfério, mais amplo de ideia que de  geografia, em que navega Daniel Pires: desde a pátria de Elmano Sadino, Setúbal, até Glasgow e ao longínquo Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cantão, Goa e Macau.

    Paladino da Língua Portuguesa e da História, o “Príncipe dos Investigadores”, como também foi cognominado na Biblioteca Nacional, serviu ao público português a prestimosa  oferta de duas obras datadas no tempo: “Dicionário de Imprensa Periódica do Antigo Regime em Portugal” (1704-1807)  e a (já lançada em Machico, 2023, no 250º aniversário do nascimento do Autor) “Obra Completa de Camões Pequeno, Francisco Álvares de Nóbrega”.

    De registar a qualificada abrangência da parceria organizadora do evento – o Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta, a Biblioteca Nacional de Portugal, o Instituto Europeu das Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes e o Centro de Estudos Bocageanos.

    Se na apresentação e análise  do acervo bio-bibliográfico mais vasto de Daniel Pires tiveram papel de charneira Miguel Real e José Pacheco Pereira, entre os prelectores, já no que concerne ao “Nosso Camões”, coube a José Eduardo Franco e a mim próprio  o elogio do sonetista maior nascido em Machico no ano de 1773. Não deixa de ser de  fino toque expressivo,, em termos de sintonia telúrica, que sejam dois autóctones de Machico a debruçar-se sobre a mensagem de um conterrâneo seu, duzentos e cinquenta anos após o percurso existencial do poeta nos mesmos caminhos e veredas que ele calcorreou.

    Pelo apreço manifestamente visível de todo o auditório durante a exposição da vida e obra dessa apaixonante personalidade, ficou patente o olvido a que gerações passadas  relegaram Francisco Álvares de Nóbrega, em Portugal Continental e, diga-se em abono da verdade, também na Madeira, se exceptuarmos Machico, onde já antes do 25 de Abril  se evocava a sua memória, em 30 de Novembro de cada ano. O conturbado período ante e pós- Revolução Francesa de 1789, cujas conquistas libertadoras puseram a nú contradições irredutíveis dentro da própria Igreja – lembremo-nos do grande número de clérigos madeirenses filiados em lojas maçónicas – foi essa anómala conjuntura que levou a Inquisição a condenar à prisão do Limoeiro, em Lisboa, o nosso conterrâneo, na mesma cela de outro notável intelectual, o poeta sadino Manuel Maria Barbosa du Bocage.

    Daniel Pires, num labor intenso,  expurgou dos arquivos da Torre do Tombo documentos e testemunhos inéditos que esclarecem a nebulosa em que sucessivos regimes mergulharam  a vida e obra de Francisco Álvares de Nóbrega, os quais estão patenteados ao grande público nesta edição, apresentada anteontem na Biblioteca Nacional.

    A título exemplicativo, transcrevo a mensagem dirigida da prisão do Limoeiro pelo poeta ao “Sereníssimo Senhor Dom João VI”, impetrando clemência e liberdade, soneto este que serviu de mote a outros quatorze sonetos, cinzelados de mestria literária e profundo queixume doloroso:

                            Príncipe excelso, em lúgubre masmorra

                            A que jamais dá luz do sol o facho

                            Gemo ao som do grilhão infame e baixo

                            Sem ter piedosa mão que me socorra.

 

                            Por mais e mais que pense e que discorra

                            Em minha vida um crime só não acho

                             Seja qual meu delito, o meu despacho:

                            Que me soltem, mandai, ou que enfim morra.

 

                            Quem culpa  cometeu é bem que pague

                            E a cadeia fatal que o pé lhe oprime

                            Com lágrimas de dor embora  alague

 

                            Porém não consintais que se lastime

                            Na mesma estância e em confusão se esmague

                            A singela inocência a par do crime

 

      03.Out.24

      Martins Júnior