domingo, 19 de julho de 2020

O BEM E O MAL – EQUÍVOCOS E EMBUSTES DE TODOS OS DIAS


                                                     

Um fim-princípio de semana povoado de espécies invasoras, daninhas, infiltradas no âmago da terra onde se semeou trigo bom, de qualidade primeira. Chamou-se “joio” ao vírus estrutural que marca toda a história do homem sobre a terra. E o vírus apresenta-se pelo nome próprio: o ‘Mal’!
“Um inimigo meu tentou estragar-me os hectares de cereal que mandei plantar no meu terreno” – assim falou o Mestre Nazareno às multidões para elucidá-las, em parábolas,  sobre a forma de  lidar com  as manifestações maléficas que apertam todos os mortais. (Mt.13).  Colossal e interminável este debate que persegue intelectuais, crentes ou descrentes, teólogos, agnósticos, ateus, cientistas, investigadores de todos os tempos! O que é o ‘Mal’, de onde provém, quem o produz e quem o transmite?...
Não será um mero blog  o lugar suficiente para desbravar tamanha floresta de enganos e desenganos, propostas e contra-propostas, hipóteses muitas e sínteses poucas ou nenhumas. Fruto da experiência pessoal e da observação empírica, limito-me a reproduzir duas ‘descobertas’ levadas a efeito pela mentalidade popular (infelizmente exploradas até ao tutano por quem devia esclarecer em vez de iludir as populações), as quais passo a descrever.
Primeiro: a tendência - mais espalhada que o joio – de atribuir o ‘Mal’ a forças estranhas, ao diabo e, nalguns casos, ao próprio Deus. Gerações sobre gerações, desde o Velho Testamento, foram manietadas no seu pensamento e forçadas a adorar um IAHVEH justiceiro e vingativo, sanguinário, (Cfr. Salmo 136/137). Por inércia mental ou pelo gosto de ser enganados, os crentes e respectivos mestres-demagogos preferiam endossar à divindade as causas que radicam no mundo e nos seus próprios inquilinos. Fenómenos atmosféricos adversos, maleitas, insucessos, desgraças, mortes “isso é lá com Deus Nosso Senhor”… E quanto à solução, “o melhor remédio é rezar”…
De há muito tempo, partilho a convicção de que há certas formas de oração que, apesar da fé emocional de quem ora, não são mais que afrontas ao próprio Deus. Uma delas é a chamada “Oração dos Fiéis”, escrupulosamente recitada nas liturgias eucarísticas. Devo confessar que sempre me recusei a dizer determinadas blasfémias nela inclusas. E qual não foi o meu espanto quando abro o aprofundado estudo do grande teólogo Padre Prof. Doutor Andrés Torres Queiruga, intitulado “REPENSAR O MAL” e encontro uma extraordinária (mas evidente!) conclusão:
“Não será abusivo considerar que é religiosamente óbvio que certas súplicas e petições a Deus carecem de sentido e podem redundar  num enorme dano para a fé… Um exemplo que gosto sempre de dar para esclarecimento geral é o seguinte: Todos os domingos na Oração dos Fiéis e dentro da liturgia oficial da Igreja, milhões de crentes  repetem em coro orações parecidas com esta: ‘Para que as crianças em África não morram de fome, Ouvi-nos Senhor, tem dó e compaixão dessas inocentes crianças’. Sem negar a boa vontade subjectiva de tais orações, a verdade é que no seu sentido objectivo elas implicam uma imagem horrivelmente pervertida de Deus”.
E o eminente teólogo Torres Queiruga conclui com esta lapidar evidência:
“Na mais elementar lógica é evidente que essa oração, de duas uma: ou não significa nada – portanto carece de sentido – ou então significa que se as crianças africanas continuarem a morrer de fome é porque Deus não quis escutar o pedido nem teve dó delas”! ( Obra cit, pág. 409-410).
A mensagem deste fim-princípio de semana também é clara e transparente. E exigente: Para extirpar o ‘Mal’ é preciso combatê-lo no próprio meio ambiental, no “local do crime”, à porta dos responsáveis das nações e frente aos sanguessugas do povo, ditadores-donos dos paióis da guerra. Não é à porta de Deus, que nunca foi  nem será  autor das fomes e das guerras. O actual momento da pandemia deveria abrir-nos os olhos da razão e só depois os olhos da fé, ou seja,  a nossa parte, somos nós que devemos fazê-la. Porque Deus - o Deus verdadeiro! - não faz nem deve fazê-la por nós!

19.Jul.20
Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário