sexta-feira, 17 de julho de 2020

O BINÓMIO DE NEWTON E A VÉNUS DE MILO NAS SETE MARAVILHAS DA CULTURA POPULAR


                                                   

Não fora a nota de um dos meus companheiros de jornada pelas rotas dos ‘dias ímpares’, nem eu voltaria às Sete Maravilhas, até porque já encerrou o concurso regional e, para lá dele, pouco pesa na balança do planeta um ligeiro episódio localizado, como é o dito certame.
Eis a observação que motivou este meu arrazoado:
  Quanto à primazia dos Fachos – “pode até ser verdade..... mas não é parte diária da vida popular.....enquanto o bailinho e o bordado estão entranhados localmente e por esse mundo além...Vi no Navio-Escola Sagres uma toalha bordada durante sua estadia no porto de Santos, Brasil.... e a aglomeração de pessoas à volta daquele tesouro era sinal da admiração etérea pela arte das mulheres da nossa terra... e o bailhinho então... faz parte de muitas pessoas por cá”...
Nada mais correcto e sensato! Por isso, subscrevo por inteiro as conclusões que emergem das linhas e das entrelinhas do criterioso observador. Aliás, vêm confirmar o que explanei no penúltimo blog relativamente às premissas que devem fundamentar as nossas opções, sejam estas em versão minimalista, sejam sobretudo numa paisagem-macro sobre questões da máxima transcendência filosófica ou sociológica. E é, ainda por isto, que volto ao caso. Porque quem faz um voto empenha nele a sua personalidade totalizante.
Recapitulando, nesta versão-mini, começaria por Sebastião da Gama: “O poeta em tudo se demora”. Parto da convicção de que, diante das Sete Maravilhas candidatas, somos todos poetas, porque o seu objecto ou paisagem maravilhosa não têm outra veste que não seja a  Poesia, na sua expressão factual, concreta, manufacturada. Essa, pois, a razão que levar-me-ia a votar em todas as Sete.
No entanto a realidade, por mais objectiva que seja, não é unívoca, mas aberta, como já Umberto Eco nos prevenira. Depende também do Observatório e da posição em que o colocamos. Recordo, quando no curso de filosofia, aquela corrente de pensamento, denominada “interpretacionismo”, em virtude da qual a cor não está no objecto exterior mas nos olhos que a contemplam. A cor e, com ela, a beleza ou a fealdade, o valor ou desvalor, a estreiteza ou a amplitude do objecto, estão mais nas pupilas do espectador do que na realidade contemplada. Quando se fala em pupilas referimo-nos à sensibilidade do sujeito perante o objecto, o seu estado neuro-vegetativo, a sua ‘circunstância’, a sua preparação a montante, enfim, a sua personalidade. Todos vêem o mesmo, mas não captam o mesmo.
Não recorro a casos exemplares, porque a nossa vivência quotidiana  prova-o suficientemente. Esta diversidade interpretativa dentro da unidade objectiva, resumo-a em Fernando Pessoa, (ele, o multiplicador de heterónimos) naquele seu axioma poético, bem conhecido: “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente que dê por isso”. Paradoxal: uma equação matemática – tão estética e deliciosa como a escultura de uma bela mulher!
Mas é isso mesmo: Para o decorador florista, amante das orquídeas e das estrelícias, não há sinfonia mais bela que os Tapetes… Contrariamente, aos romeiros festivaleiros, sobretudo se emigrantes, ninguém lhes tire o Bailhinho que amacia o espinho da saudade, mesmo sem saber que a canção do ‘Feiticeiro da Calheta’ não tem mais que 82 anos…  As crianças azougadiças e os idosos de coração infantil lembrando os gostosos tabuleiros dos arraiais de outrora, deliciar-se-ão com as Bonecas de massa… E quem entre nós, madeirenses, atraídos como pássaros pelas luzinhas do presépio e pelo cheiro dos bolos-de-mel, qual de nós recusaria o voto à Noite do Mercado?... Os estudiosos da ruralidade, antropólogos dos usos e costumes das populações primitivas, acharão nas Casas de Colmo um precioso filão exploratório e só isso lhes interessa pra valorizar a historiografia madeirense… E então o Bordado Madeira, quem lhe resiste? Nem seria preciso um sofisticado curso de Designer  para cairmos rendidos à sua beleza. No topo dos cultores da arte, especialmente os apreciadores da feminilidade e do seu encanto artístico (chamem-lhe glamour, charme ou similares) levantam-lhe um trono, estendem-no à mesa real ou a bordo do Navio-Escola ‘Sagres’ ou, mais alto, sobem às sagradas aras.. As “Lágrimas Correndo Mundo”, em todo o tempo e em todos os lugares,  cativariam almas e gerações.
Mas há outros olhares e sensibilidades, iguais a tantas, mas diferentes na tonalidade interpretativa: os que aliam a ancestralidade histórica à catarse colectiva de um povo, ao longo de 600 anos. Além da mística iluminante de todo o vale, releva-se o esforço braçal, a afirmação musculada de jovens e adultos que, com as próprias mãos enegrecidas pelo óleo e pelo fumo, repõem  no basalto da montanha o vigor de antanho. Esses optaram pel’Os Fachos.
Todas Diferentes e Todas  Iguais! Assim são as Sete Maravilhas. O resto depende dos olhos que as vêem. E do móbil que as transporta: a arte, a história, a especiosidade, o esforço, a resiliência hereditária – ou o efeito imediatista, o reclame publicitário, o consumismo, numa palavra o marketing estandardizado?!
Em consonância com a síntese do observador que motivou esta reflexão – e que registo com aprazimento – reitero o pensamento já aqui citado noutras circunstâncias: “É tão belo e é tão nobre descascar batatas como construir catedrais”. Tudo é belo! Tudo é nobre!
17.Jul.20
Martins Júnior         


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