quarta-feira, 17 de março de 2021

ELEIÇÕES NO VATICANO

                                                                                  


Em se aconchegando a primavera para entrar em cena, com todo o viço e o bulício da estação primeira do ano, também pairam no ar os ventos que prenunciam as eleições, essas agitadas monções primaveris que umas vezes rejuvenescem um país e outras vezes mergulham o povo em atribuladas convulsões sociais, como recentemente em Mianmar.

Por coincidência, na semana transacta celebraram-se oito anos sobre uma outra eleição, a do argentino Jorge Mario Bergoglio para Bispo de Roma, Chefe de Estado do Vaticano e Pontífice Máximo da Igreja Católica. Uma eleição pacífica, promissora e já com provas dadas na requalificação, não só da vetusta orgânica da cúria romana, como sobretudo da renovada face da Igreja no mundo.

Achei, por isso, oportuno e útil, ao menos numa linha de conhecimento histórico, espreitar tanto quanto possível os labirintos, os processos, a casuística, enfim, a engenhosa e poliédrica máquina que produz o mais influente e poderoso monarca da Europa e, quiçá, do mundo. Por mais estranho que pareça, a escolha do Supremo Magistrado da Igreja em pouco difere da emaranhada malha de interesses sócio-políticos e financeiros que se infiltram na maioria das refregas eleitorais das sociedades profanas. A história demonstra-o, sem margem para dúvidas.

É precisamente no panorama discursivo da história da Igreja que se desenham os diversos perfis dos ‘papábiles’ e dos meandros para lá chegar. Nos primeiros 300 anos, a Igreja cristã viveu intensamente a mística do seu Fundador e, por isso, foi de sangue sofrido o percurso dos mártires sob o jugo dos Imperadores de Roma. Os seus líderes, bispos ou papas, surgiam da própria comunidade que os propunha e escolhia. Todos os papas foram perseguidos, deportados ou assassinados, segundo refere o cardeal Joseph Hergenrother, primeiro director do Arquivo do Vaticano, na sua obra Album dos Papas, escrita em 1885. 

Após o ano de 313, com a ardilosa paz que o Imperador ‘deu’ aos cristãos, a Igreja paulatinamente foi-se tornando de subjugada a dominadora, de perseguida a perseguidora. Foi-lhe oferecido o trono em vez da cruz, o reino do mundo em lugar do reino de Deus. O Papa passou a rivalizar com o Imperador e impunha-se aos próprios Reis. Já o referenciei num dos meus últimos blog’s.

Neste cenário, logo se conclui que o Papado tornou-se um sonho apetecido pela nobreza e, a partir daí, eram candidatos os familiares dos condes, dos duques, os potentados, sobretudo, da Itália. Condição sine qua non   para que o candidato, ainda que eleito em consistório eclesiástico, ascendesse oficialmente ao trono pontifício consistia na concordância do soberano ou imperador, requisito essencial - o chamado agreement régio. (Nada de estranho para nós, portugueses, visto que durante o regime salazarista, só seria bispo quem obtivesse o parecer favorável do governo). Escandalosas, sangrentas foram as rixas e as intrigas entre as candidaturas com as quais as diversas facções da nobreza pretendiam, em certas épocas, fazer eleger o seu favorito. Casos houve em que pontificavam na Igreja três Papas em simultâneo.

Breve resenha histórica:

Só a partir do século X, mais precisamente em 1139, o Colégio Eleitoral ficou reservado aos titulares do cardinalato. O eleito deveria reunir uma maioria de dois terços dos votos dos eleitores. Acresce a circunstância de que, à semelhança dos cardeais (que não careciam de receber ordens sacras), também para ser eleito Papa bastava ser cristão-homem. Só as mulheres e os hereges eram considerados inelegíveis. Daí que  as sessões prolongavam-se desmesuradamente. Para eleger o Papa Gregório X, em 1268,  os cardeais levaram dois anos e nove meses, o que motivou um decreto do novo Pontífice (Ubi Periculum) a exigir que futuramente os conclaves durariam só três dias, findos os quais, seria cortada uma determinada  ração  alimentar aos cardeais; após cinco dias, nova redução da ementa, chegando mesmo ao corte total se ultrapassassem os limites. Foi a decisão tão acertada e eficaz que, após a morte de Gregório X, o conclave durou um só dia. Ridicule mais charmant!  

No escrutínio formal têm um papel nuclear os três escrutinadores e os três infirmarii, encarregados de aceitar e confirmar os votos dos cardeais doentes que não possam exercer o voto presencial. É devotamente capciosa a declaração de cada votante junto à urna, em latim clássico: “Testor Christum Dominum … Cristo Senhor é minha testemunha que elejo aquele que, segundo Deus, penso que deve ser o eleito”.

Enfim, digamos que a eleição do Supremo Magister ou Magistrado da Sé Apostólica e do Estado do Vaticano é, de há muito, idêntica à que realizam os Estados Unidos da América: está entregue a um sofisticado Colégio Eleitoral.  Digo “sofisticado”, visto que (ao contrário dos EUA), os eleitores cardeais não são eleitos pelo povo cristão, mas nomeados antecipadamente, o que faz correr o sério risco da falta de transparência ou de equivalência fidedigna ao ‘voto’ de toda a Cristandade. Caso a ponderar!

No entanto, permanece de pé, o veredicto da primitiva Cristandade, dos primeiros séculos da Igreja, conforme cita o grande teólogo e historiador Yves Congar: “O povo tem o direito de rejeitar o bispo que não escolheu”.

  Grandes e sérias questões, postas à Igreja do século XXI. Ouso acrescentar: Grandes e sérios problemas que o Papa Francisco quereria esclarecer e decidir!

 

17.Mar.21

Martins Júnior

   

 

 

 

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