domingo, 21 de março de 2021

“NEM PADRES NEM CHEFES” … SUGERE JEREMIAS PROFETA

                                                                           


Consumidor habitual e cultor compulsivo do LIVRO,  no trânsito hebdomadário entre uma semana e outra, desta vez impressionou-me o pensamento desse velho sábio Jeremias, quando teve a ousadia de proclamar uma Nova Ordem Mundial, começando pela cidade e pelo país que habitava. Falava ele, como intérprete do Juiz Supremo, Iahveh:

Hei-de fazer um Pacto com o Meu Povo (dar-lhe-ei uma Nova Constituição com um Artigo Único): Não mais precisarão de quem lhes ensine a Minha Lei, porque Eu Próprio vou inscrever no mais íntimo da sua inteligência e no mais fundo do seu coração os meus preceitos. Do maior ao mais pequeno, todos conhecer-Me-ão (e saberão conduzir-se autonomamente) e com tal evidência que  ninguém precisará que outrem (guru ou mestre)  lhes diga: Faz isto ou faz aquilo. Hei-de colocar neles toda a Minha Lei. E é assim que quero o Meu Povo. (Jer. 31, 31 sgs).

Que intuição tamanha e que perspicácia sócio-pedagógica  do conceito de liberdade e autonomia integrada! Interpreto-a esta ‘Nova Ordem’  como o estádio maior a que pode ascender uma sociedade civilizada. Conferir a cada cidadão o estatuto plenamente interiorizado de que ele sabe encontrar os parâmetros exactos da Lei Natural, que é o mesmo que dizer da Lei Divina impressa na sua carne, no seu sangue, nos seus instintos, nas suas motivações!!!

Há mais de 2.700 anos, Jeremias, conhecedor exímio da comunidade em que vivia, estaria sem dúvida saturado de gurus, juristas, comentadores, opinadores, pregadores pseudo-profetas, alguns deles talvez perorando em nome de Deus e impondo preceitos humanos como se fossem divinos, apenas para confundir a opinião pública e servir os seus mais obscuros interesses. Daí o seu veredicto desassombrado, restituindo ao cidadão a sua dignidade, obrigando-o a responder perante o tribunal da sua consciência.

A este propósito, cito Guerra Junqueiro, (1885) num excerto dos seus fulgurantes alexandrinos, do poema O CRIME:

… É como o olhar dum tigre o olhar da consciência…

É este o julgamento e é este o tribunal:

Reside dentro de nós toda a sanção penal,

É o crime e o remorso, a causa com o efeito.

A sociedade tem um único direito:

Exigir do assassino uma reparação.

Eduquem-no: é meter a escola na prisão,

Transformem esse monstro num ser inteligente

Façam-no livre, isto é, façam-no consciente.

Consciência quer dizer responsabilidade.

Um assassino verga os ferros duma grade

Mas não pode vergar a consciência austera.

Introduzi a luz no crânio dessa fera.

 

É de um tratado de superior Academia Cívica, Holística  (cabe aqui a polémica questão das aulas de Cidadania) a proclamação que Jeremias sugere e poderíamos dissertar longamente sobre esta dimensão. Tremendamente actual. Deixo à consideração de cada um. De cada educador, de cada responsável. De cada jovem. Sei que, nas circunstâncias presentes, será algo de utópico, longínquo. Mas é este o melhor caminho para fechar cadeias, aliviar tribunais, corrigir religiões.

Traduzi o pensamento do Profeta por uma expressão avocada dos movimentos anarco-revolucionários, desde o Maio/68 e afins. Foi de propósito. Porque o batente “Nem Padres nem Chefes”, sendo aparentemente anárquico, ultrapassa essa interpretação simplista. Pelo contrário, releva e acentua a necessidade de uma educação personalizante, deveras exigente, precisamente na linha do texto bíblico que proponho para esta semana.

Porque daqui também se caminha para a Poesia e para o Anti-racismo!

 

21.Mar.21

Martins Júnior      

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