domingo, 9 de agosto de 2020

A CERTEZA E A DÚVIDA EM GUERRA DE ALTO MAR!

                                                                                 

 

Em dia de domingo, de praia larga e mar macio, somos açoitados pela vergasta do Mestre contra Pedro: “Porque é que tu duvidaste, homem?”. Contra o arrais do barco e contra todos nós, tripulantes do tempo.

         Na alegoria de Mateus (cap.14, 22-33)  que nos foi proposta neste domingo, está patente a batalha naval entre a Dúvida e a Certeza, o eterno duelo com que, desde sempre, se confronta a condição humana. Malefícios da Dúvida e Benefícios da Certeza ou o seu contrário, ambos bivalentes, a um tempo contraditórios e coincidentes. Vejamos:

         A Dúvida, tal como a discussão ou debate, é o túnel que nos faz correr para a luz ao fundo dele. Sobretudo, quando “metódica” (na famosa formulação de Descartes) constitui o caminho da ciência, numa progressão reprodutiva, de descoberta em descoberta. Sem o primado da Dúvida não há conhecimento, nunca haverá Progresso.

         Mas, nos antípodas, a Dúvida mata, pelo cutelo inexorável do Medo. Quando inveterada e doentia, ela afunda e afoga não só o indivíduo, em particular,  como a comunidade, no seu todo.  É o que se vê na citada narrativa de Mateus. Nada mais convincente que este tempo de pandemia para interiorizarmos a Dúvida-Medo, simultaneamente como vírus devastador e como seu antídoto.

          “Navegar é preciso” – bem avisa o cantautor.  A quilha do navio, fiel ao astrolábio do pensamento, marca o rumo e fixa no vasto horizonte o porto de chegada. Mas as ondas, as vagas alterosas, o vento hostil?!... Traduzamos: há as  emoções, as dicas sopradas dos mais próximos, a críticas, o malsinar contra a velocidade de cruzeiro que queremos transmitir aos mastros e às velas do nosso sonho. Tudo isso somado: emerge  a Dúvida! E se nos deixamos levar por ela (que até pode tomar a imagem de sedutora sereia), aí está frustrado o plano, perdida a estratégia, destruído o rumo, afundado o barco. Maldita Dúvida!, balbuciamos aflitos, enquanto as ondas retalham e engolem o melhor que havia em nós. Lamentavelmente, está o oceano da vida coalhado de destroços destes…

         Mas a voz do Mestre, ecoando na noite dos tempos, não tem apenas Pedro ou cada um de nós como destinatários. Ele não veio para servir de lenitivo e ‘pace-maker’ a este ou aquele coração desalentado. Ele veio para um projecto maior, universal. Por isso, a Sua chicotada atravessa os séculos, sobe até ao trono dos líderes locais, regionais, nacionais, mundiais, para alertá-los e invectivá-los contra a inércia, contra as cedências cobardes, numa palavra, contra a Dúvida, a tal que mata.

         Acreditamos que os governantes, quando pegam aos ombros o comando das populações, levam no porão do navio e acalentam dentro do peito os melhores projectos em prol dos povos, seus constituintes. O mesmo poderei admitir dos eleitos parlamentares, futuros legisladores da grei. Esta é a Fé que professam no acto de juramento do Poder. Esta a Certeza que os anima e suporta. Mas… lá vêm as vagas desviantes, os interesses classistas, os ‘lobistas’, os exploradores, os manipuladores capitalistas salgados como velhos bacalhaus do norte. Vêm ainda os novos corsários, os tubarões, assessorados pelos oportunistas de jornais e seus vergados assalariados, vêm as redes sociais e até chega-lhes o hissope da corte eclesiástica e…pronto: o mar em cachão toma conta deles, os responsáveis maiores, e logo a Dúvida-Medo os afoga, logo a nação naufraga  no Medo de perder amigos de ‘colarinho branco’,  perder benesses inconfessáveis, medo de perder influência e votos…  

         Da minha passagem pelo Parlamento provinciano e paroquião desta mini-porção de terra rodeada de Atlântico, quantas vezes (sem fim!) vi eu, “claramente visto”, deputados votarem contra a própria consciência de mandatados do povo. Porquê?... Só e exclusivamente  para não perderem as graças do todo-potente ditador, só para segurarem o assento, só para obedecerem aos manipuladores e senhorios do povo. Era aí que eclodiria a Voz: “Porque é que duvidaste da bondade e da justiça de determinada proposta de decreto-lei? Porque é que não a votaste favoravelmente? Porque é que te acobardaste ao Medo e à Dúvida?”.  

         Oxalá não chegue aos julgadores dos tribunais a praga da Dúvida-Medo. Não chegue também a conspurcar e a profanar a fímbria dos que se dizem intérpretes da Religião. Mas na Madeira já aconteceu, também “claramente visto”!!!

         Se e quando o nosso batel for tentado pelas perturbadores ondas da Dúvida-Medo, saibamos  fechar os ouvidos e bradar aos ventos e aos mares: “Eu não desisto! Eu vou até ao fim”!

 

         09.Ago.20

         Martins Júnior    

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