quinta-feira, 13 de agosto de 2020

DO BRASIL E PORTUGAL

                                                                 

           Em tempo de veraneio, não são as questões doutrinárias  ou as definições apologéticas que conseguem captar a atenção do público. Por isso, hoje opto pela narrativa linear, mas dirigida a um objectivo essencial: relevar a proeminência de Pedro Casaldáliga, na sequência do escrito que anteontem aqui deixei, por ocasião do seu funeral em Mato Grosso, Brasil.

Para isso, transcrevo uma página do livro de Márcio Moreira Alves, publicado originalmente pelas Éditions du Cerf, Paris, 1974. Ao relê-lo, passo em revista personalidades que tive a honra de conhecer no Brasil, em pleno furor da ditadura militar. O título  - “A Igreja e a Política no Brasil” (versão resumida da tese de doutoramento à Fondation Nacional de Sciences Politiques) - servirá de introdução à análise  do testamento vivo de Casaldáliga. Servirá outrossim para compreendermos certos fenómenos estranhos que fustigam, sem o conseguir, os perturbados dias que atravessamos. Eis o excerto identificativo da situação explosiva, no Brasil de então:

“No Brasil, todas as actividades individuais ou colectivas estão, desde 1964, sob o comando das Forças Armadas. Nenhuma ideia, nenhuma notícia pode circular oficialmente sem a autorização prévia da censura. Só escapam as publicações eclesiásticas. O governo alterna ameaças e favores na busca do apoio dos prelados à sua política. Os cardeais  são convidados à mesa dos Presidentes da República, o Tesouro financia congressos eucarísticos, as tropas desfilam em honra de Nossa Senhora de Fátima, transportada no topo de um carro blindado. Certa vez, o ministro da Justiça participou dos debates da Assembleia da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, para tentar evitar uma condenação demasiado clara das torturas praticadas pela polícia.”

“Os bispos favoráveis a uma evolução política e social diferente da que os generais preconizam  são incomodados de mil maneiras, subtis e brutais, pelos serviços secretos, e o governo procura isolá-los dos seus colegas, tachando-os de  subversivos. Um deles, o bispo Calheiros, de Volta Redonda, (eu estive em sua humilde casa) foi processado na Justiça Militar por haver denunciado as torturas infligidas a alguns  dos seus diocesanos; outro, Pedro Casaldáliga, bispo de Mato Grosso e defensor dos agricultores na luta contra as companhias de colonização que procuravam roubar as terras, ele é permanentemente ameaçado de expulsão por ter nascido em Espanha. Finalmente um outro, Adriano Hipólito, bispo de Iguaçu, foi sequestrado por um comando paramilitar que o deixou nu, o corpo pintado, no meio da rua” .

Foi este o ambiente em que lutou Pedro Casaldáliga. Vamos seguir o seu percurso nos próximos dias. Vamos também avistar paisagens duras, fatais, sofridas por gente como nós, da nossa terra, talvez da nossa parentela e vizinhança. Para que o Mundo não esqueça!

 

13.Ago.20

Martins Júnior                                                                                                                           

Sem comentários:

Enviar um comentário