quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

“EU NÃO ESTOU AQUI…NÃO MORRI… PORQUE VIVO EM TI”

  A terra  treme, o mar agita-se e as goelas  vorazes dos tsunamis  devoram pessoas e bens.  É esta a saga do nosso quotidiano. Porque os tsunamis  são muitos  e outros. Fica-nos a percepção de que só há presente, um presente trágico, esquecemos que o tempo oceânico tem  três mares que, sendo diversos, há um canal ‘panamaense’ que os une.

Além do Presente, há um Passado e um Futuro.  Para não nos perdermos na voragem do Presente incerto, é preciso reactivar o Canal da Memória e ver ao redor,  navegar o Passado,  de olhos postos na bandeira presa à âncora segura - sempre a Memória – que nos salva das ondas revoltas.

Pensamento este, que me acompanha desde Domingo, tem a ver com o “23 de Fevereiro”,  todos os anos lembrado, cantado, ressuscitado, desde 1987, quando JOSÉ AFONSO nos deixou.

         Os trepidantes abalos públicos – desde ameaças americanas, trocas de reféns prisioneiros em Gaza e Telavive, graves morbilidades papais, corrupções nacionais – em meio do turbilhão eclipsou-se a evocação gloriosa do Cantor da Liberdade, Precursor do “25 de Abril”. Não que ele precise ou espere homenagens. Ainda em vida rejeitou-as, homenagens, medalhas e condecorações. Nós é que precisamos dele. O mundo precisa dele, da sua voz, da sua mensagem libertadora.

         Eu não esqueci. E comigo, todos quantos almejam o mundo que ele sonhou, onde todos possamos respirar e cantar. Por isso, nesta semana que é sua, recorro à âncora da  Memória e deixo aqui os sentimentos que outrora vivi junto à sua campa rasa,  em 23 de Fevereiro de 2017.

 

         25-27.Fev.2025

         Martins Júnior

              

Nem mausoléu nem flores

Nem mesmo campa rasa

Nem tubas nem tambores

Não me tragam rosas bem-me-queres

Porque eu não estou aqui

Nunca foi esta a minha casa

 

Vagueio errante mas não errado

E estou sempre onde estiveres

Do outro lado

Onde o sol corta a vidraça negra opaca

Dos humanos covis

 

Eu estou em ti

Tu és o meu país

Que desbravo e cavo

Para encontrar

Vermelho como um cravo

O corpo morto do meu povo cativo

 

Se o trouxeres quente redivivo

Eu estou lá

E levas-me contigo

Sem medo e ‘maior que o pensamento’

porque és tu aquele amigo

Que eu chamo a cada momento

 

Sou eu que te procuro

E pego no teu braço

Para esconjurar o fosso escuro

Dos tarrafais fechados nas ruas

Nas fábricas nos montes nos rios a-céu-aberto

No casebre ou na vivenda onde tu moras

 

Se avisares a ‘malta do que faz falta’

Se afrontares os ‘vampiros’ de todas as horas

A tua voz será mais alta

Que as mais sonoras

Baladas ‘verde maio verde milho’

Deste migrante ‘andarilho’

 

Não me tragam mais troféus

Nem me lembrem mais os pides as prisões

Nem palmas nem medalhões

 

Porque eu ando por aí

Em tudo o que canta

Em tudo o que clama

Em tudo o que se alevanta

E olhando o sol sorri

Eu não morri

Porque vivo em ti

domingo, 23 de fevereiro de 2025

TRUMP FALOU - PAPA CALOU !

                                                              


Aconteceu.

Em termos fácticos, é essa a leitura directa do anátema do imperador do Capitólio de Washington D.C. contra o inquilino do Capitólio do Vaticano: “Meta-se nas coisas da Igreja e deixe de falar nos imigrantes, que isso é comigo”.  Por fatalidade de momento - a pneumonia bilateral - calou-se o Papa Francisco.

Mas há outra leitura, mais funda e dramática,  do mesmo facto.

Para entendê-la, é preciso recorrer a um evento recente num dos palácios de Sintra, Portugal, acontecimento tão marcante na essência quanto silenciado, quase clandestino no fórum dos media. Conta-se em meia dúzia de vocábulos comuns a tantos outros episódios do quotidiano: Num dos palacetes de Sintra reuniram-se bispos e cardeais da Igreja Católica, em número de 80 (oitenta). Entrevistado o Cardeal Patriarca de Lisboa, respondeu não ter sido consultado nem convidado para este ‘mini-conclave’.

Pelos corredores dos arciprestados e da CEF (Conferência Episcopal Portuguesa), vagueia um murmúrio sibilino, equivalente a um comentário  enigmático: Esses 80 dignitários eclesiásticos pertencem à ala mais conservadora da Igreja, portanto, opositora da pastoral renovadora de Francisco Papa. O seu antecessor, Bento XVI, não conseguiu aguentar o vendaval cardinalício da velha trupe romana, à qual atribuiu o contundente qualificativo de “abutres do Vaticano”. Mais resiliente e audaz tem sido Jorge Bergoglio, numa guerra surda, armadilhada pela ala conservadora, de que fazem parte os Oitenta, reunidos em Sintra.

Outro facto, também recente:

Nesta luta acirrada anti-Francisco arrogou-se, como cerra-fila do batalhão, o ‘pontífice’ da máfia pseudo-cristã que, lá no paiol dourado de Washington, vocifera e atira  à cara do defensor dos pobres refugiados a bomba-rolha mais obscena, atentatória da missão de um verdadeiro mensageiro evangélico: Meta-se o Papa nas coisas da Igreja e deixe da mão os imigrantes, esse assunto é comigo.

Para quem navega na dúvida persistente, aí tem de contornos bem definidos a dialéctica em que se debate, desde há dezassete séculos, a instituição Igreja: Para uns, Ela é mais um reino deste mundo, erguendo--se o Papa como Monarca Imperador. Para outros, a Igreja não é “um reino deste mundo”, como respondeu Jesus no tribunal de Pôncio Pilatos. E, por coerência necessária, o Papa é o Servus servorum Dei, o Servo dos servos de Deus. Para aqueles, o assento do Papa é um trono, ao lado de Trump, Putin, Netanyahou.  Para estes, o lugar do Papa é a cruz, onde estão os marginalizados, os excluídos, os migrantes, os oprimidos, os quais o Papa quer tirá-los dessa cruz onde estão crucificados.

   A que Igreja e a que Papa (ou a que cardeais, bispos, padres) pertencem os crentes, os cristãos?... E fiquem com este pré-aviso: o rei—-sombra dos EUA, Elon Musk, anda a rondar, a serpentear, os cardeais eleitores para entronizarem no Capitólio Romano um Papa à medida do Capitólio de Washington D.C..

Mais que a pré-agonia física é essa a agonia mais profunda de Francisco, o Incompreendido Sósia do Nazareno, intérprete fidedigno da vida e da palavra de Jesus, o crucificado pelos sumos-sacerdotes do Templo de Jerusalém. Quem lhe há-de suceder?

Respondam os crentes. São estes, os súbditos, os “servos”, os cristãos de base a única força espiritual que pode fazer a Igreja regressar às fontes originárias do Evangelho. Sendo o mais forte, o Papa será sempre o elo mais fraco. A palavra de ordem, pois,  é uma evidência: a militância e a coerência, não de Oitenta, mas de muitos, de todos os Milhões  de autênticos católicos cristãos!

Assunto sério - de ontem, de hoje e de sempre.

21-23.Fev.25

Martins Júnior

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

VIDA E MORTE NO ABRAÇO DO MESMO BERÇO!

                                                             


                       

    Não abundam os momentos em que a morte se confunde com a vida. No mesmo percurso para a sepultura misturam-se em altissonante uníssono os clamores da alvorada nascente. São raros, mas aconteceram nesta segunda-feira de Fevereiro toda pintada de azul e branco, que encheram literalmente os media, desde o estádio, a praça, a rua e até ao templo episcopal, cujo celebrante se revestiu de uma rara paramentaria cor das ondas marinhas e do céu em apogeu de verão.

A vida e a morte num jogo de espelhos, tão intrínseco e empolgante que quase sempre é esta que reflecte o brilho daquela! Afinal, ambos viajam no abraço de um mesmo berço.   Já os antigos definiam sabiamente esta paradoxal realidade num aforismo clássico: Talis vita, finis ita – tal vida, tal morte.

O fim traduz a validade do início e do meio da maratona  existencial. E, sobretudo, do critério do júri – o indefinido júri, sem rosto, mas que se torna lobby social, o todo colectivo, pendente do gosto, da moda e do local. Concretizando:

Onde a música é rainha, aí é a guitarra de Carlos Paredes que emerge, vibrante e ágil, do fundo secular da sepultura. Onde o futebol é rei, também é ele que reina, radioso e cego, desde o mar ao cimo das montanhas. Onde o poder totalitário narcotiza a multidão, é o ditador Putin que sobe em nuvens de incenso ao altar das pátrias.  Onde, ao invés, gerações amordaçadas pela ditadura não se resignam sob o cepo esmagador, o trono real pertence ao herói Navalny e a todos os que, mesmo no sepulcro, cortam as algemas  de um povo que tem direito à Vida e à Liberdade.    

Há, ainda, o critério da territorialidade, genético, tribal, que do nativo nortenho faz um deus – no funeral de Pinto da Costa, alguém chamou-o “Papa” – e do sulista transforma-o num vilão. Ou vice-versa. Critério geográfico - que ostenta mausoléu ao americano e atira às feras o africano. Critério religioso - mais precisamente, pseudo-religioso - que no Capitólio Vaticano canoniza, eleva aos céus o católico romano. E ao muçulmano passa-lhe irreversível guia de marcha para o inferno. Há ainda o critério da lavagem mecânica - em que o rolo da morte, sendo negra, passa a branquear as negritudes da vida.   

Outros critérios, outros nomes, outros pretextos cabem nestes parágrafos, os quais facilmente podem descortinar-se em todas os rituais fúnebres, dos mais humildes aos mais faustosos. Mas de todos, apenas uma conclusão se me afigura serena, imponente, embora quase impercetível a olho nu: o relativismo dos panegíricos, a volatilidade dos mausoléus.

Relativos e voláteis, tanto os discursos como os marmóreos epitáfios: assemelham-se a fogos fátuos, cadentes. Ademais, são inaudíveis e extemporâneos. Tenho para mim que os homenageados defuntos – “pó caído” – se lhes fosse possível reagir diriam,  estoicos e indiferentes: “Deixem--me em paz. Elogios, agora? Não, obrigado. Já não vos oiço. Em vida é que deles eu precisava, para cumprir melhor o meu lugar. Agora é tarde – tarde demais”.

Sei quanto é questionável esta minha  percepção. Mas ela é apoiada por décadas de vivências concretas junto ao féretro de  “gregos e troianos”. E com tal propósito que se tornou uma opção testamentária. Dispenso discursos e rituais.  Mais: Prefiro  críticas em vida do que elogios na morte. As críticas ajudar-me-ão a recentrar prioridades existenciais, os elogios sumir-se-ão num punhado de cinzas inúteis.

Honremos os que “da lei da morte se vão libertando”.

Enquanto vivos!

E vivos sempre serão se lhes seguirmos as pegadas luminosas que deixaram na nossa estrada! Que, sem alarde nem vanglória, um dia deixaremos para outros!

 

15-17.Fev.25

Martins Júnior

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

HIPERMERCADO ELEITORAL – UM HINO À LIBERDADE!

                                                                        


Volta a animar-se o palco insular da campana eleitoral, que tanto pode configurar-se, para uns,  com o frenesi de uma arena como, para outros, toma o cenário de baile de máscaras em  rodopio de carnaval. Basta olhar para cada esquina ou para cada tapume de cabouco de obras, atravessar cada ponte de passagem rápida e ver  reflectidas nas águas correntes e nas nossas pupilas estampas de risos-facetas, olhos famintos dos nossos impulsos, palavras, palavras, muitas palavras quase todas sinónimas, enfim, um espectáculo de cor e som, de entrada livre e sem custos para o consumidor-à-força.

          Como cidadão, congratulo-me com a profusão da oferta – partidos e coligações, ao todo, quatorze! 1316 almas! – oferta que se confunde com a procura sedenta de um dos quarenta e sete assentos no parlamento. Motivo da minha congratulação: a Liberdade a-céu-aberto, ou seja, sem medo de aceder à ribalta, digamos que à arena, onde a brigada dos poderosos fazia tremer o chão da liça e o público das bancadas, como se os forcados desarmados tivessem de confrontar-se com um touro – actualmente - de 50 anos de engorda.

          Felicito todos os candidatos, porque eu sou daquele tempo em que candidatar-se em oposição ao plenipotenciário detentor do regime comparava-se aos condenados às feras do Coliseu Romano sob  o comando do  polegar imperador. Sim, prezados candidatos, não imaginais as dificuldades em encontrar corpos e almas de coragem férrea para entrar na luta, dispostos a enxovalhos, agressões físicas, ameaças a familiares. Era a repetida guerra entre o humilde pegureiro David contra o arregimentado e furibundo Golias. Por isso, o meu sincero júbilo por ver descarbonizada a atmosfera político-partidária que permite o surgimento de tantos e tantas madeirenses participantes nas eleições  desta segunda década do século XXI.

          Para que sejam completas e comunicáveis as minhas felicitações, quero crer que os ardorosos candidatos sejam movidos por ideais superiores, construtores de uma terra insular de coração planetário, sem ambições revanchistas ou mesquinhos interesses particulares. Quero pressupor que são portadores de mérito pessoal e colectivo e que não tenham sido chamados à Lista por fidelidades ‘caninas’ ao chefe, nem por viperinas manobras de eirós de águas estagnadas, onde os penedos escondem os perniciosos vírus que trazem no bucho.

          Tenho fé que, abstraídos os reparos do parágrafo anterior, todos os candidatos – a começar sobretudo pelos partidos mais pequenos - transportam no seu íntimo  horizontes programáticos, os mais alevantados em prol de um Mundo Melhor, de um Ar Respirável, a partir desta língua  de ouro esparsa no azul cerúleo do Mar Atlântico.

 

          11-13.Fev.25

          Martins Júnior

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

QUAL DOS TRÊS É O MAIOR? – BARÓMETRO DE UMA CIVILIZAÇÃO

                                                                       


                                  

Neste monte de vendavais em que está transformada a comunicação, três ápices brilharam no vértice dos acontecimentos: a escritora lusa MARIA

TERESA HORTA, o imã AGA KHAN IV e, sem deixar de ser português, o madeirense CRISTIANO RONALDO.

É excedentário ousar responder à pergunta formulada em epígrafe, até porque toda a resposta dependerá dos critérios micro ou tele-

-scópicos com que se hão--de olhar os ilustres ocupantes do pódio glorioso. E por isso, chegaremos à conclusão de que todos são grandes, cada qual na sua especialidade singular. Mas, por altíssima que seja a notação atribuída, não estaremos perante o nível de valores de um país ou de uma região. É a conclusão que a sabedoria popular codificou no provérbio sobejamente conhecido Uma andorinha não faz o verão.

          Para aquilatar-se cabalmente da escala de valores de um povo, o critério seguro consistirá na resposta às seguintes questões fulcrais: que consomem os consumidores? Que vêem os espectadores? Em que crêem os crentes?... Não está em causa o produtor, não se discute o artista nem a fé do pregador. A lupa está do lado de fora. Que peso e que medida usa o observador para valorar o observado?... Em que grau de sensibilidade está o paladar do convidado diante da especiosa ementa que lhe é oferecida no banquete global?...

          Não será preciso recorrer a sofisticados algoritmos da IA para ver a olho-nu que, dos três galardoados ora em apreço, foi o mais pequeno de berço, rebento exíguo de uma exígua parcela entre ilhas e continentes, foi ele, o ‘nosso’ CR7, que a todos suplantou, no tsunami das estatísticas mundiais: aurora boreal das intermináveis 24 horas de translação planetária, vulcão sideral  cuja lava poliglota inundou montes e vales, desertos  e oceanos, babilónicos jardins suspensos e ignotos lugarejos da idade da pedra lascada! Venha o nosso épico quinhentista e acrescente mais um  ao Olimpo dos seus imortais “barões assinalados”.

          Adeus, talentosa poetisa e lutadora pela dignidade das mulheres, nossas irmãs, esposas e mães! Adeus, generoso imã, benemérito da humanidade! Adeus, adeus, porque (agora vem Camões) “Outro valor mais alto se alevanta”…

          Não se trata de linguagem hjperbólica o que acabo de escrever. É a fria leitura dos números. Mais: é a temperatura do barómetro civilizacional do nosso século XXI, aquele que nós próprios fabricamos e de que somos forçados consumidores.

          Estaremos na rota regressiva da história, aos tempos de anestesia colectiva e depauperamento psíquico sob a capciosa “tutela” de poderosas forças totalitárias?!... Assim o imperador romano iludia os súbditos com os famosos panem et circenses. Assim o salazarismo fascista neutralizava os portugueses com os  miraculosos três efes: futebol, fátima e fado.

          Aos felizes contemplados, merecidos parabéns.

          E um voto: Transforme-se cada um de nós em válido elevador social no barómetro da civilização a que pertencemos.

         

07-09.Fev.25

          Martins Júnior

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

TRUMP E MARIANN – OU – A DITADURA E AS RELIGIÕES: A PRAGA DE TODOS OS TEMPOS !!!

                                                                                  


A intermitência voraz dos acontecimentos e a amplificação ensurdecedora que lhe dão os media – guerras militares, guerras territoriais, guerras comerciais – retiram-nos a capacidade de nos fixarmos no essencial e acabamos por deixar fugir  entre a corrente o que de mais precioso tem o ser humano: o poder de análise, a visibilidade crítica, a direcção certa na acção.

          Não assim o estatuto deste Senso&Consenso. Por isso, não largamos ao vento a cerimónia da tomada de posse de Donald Trump, mais concretamente o discurso de Mariann Budde, a hierarca da Igreja Episcopal de St. John, de que fizemos eco no anterior blog.

          Que eloquência de pensamento e que coragem evangélica de Mulher!  Deixa a léguas a cobardia híbrida de certos homens hierarcas da Igreja Católica, ao contrariar, ali mesmo e face a face, o omnipotente Trump e o seu programa político, pomposamente anunciado na véspera!

          Falta analisar a atitude comportamental do novo-velho eleito presidente. Após a aparente displicência e o  mal disfarçado azedume durante toda a cerimónia religiosa, Trump traduz toda a acrimónia interior em três rounds, cá fora diante da sua corte: 1º - Aquele discurso não foi nada emocionante, pois não. 2º - Ela devia ter feito coisa melhor, ela é pouco inteligente e foi muito desagradável.  3º - A pseudo-bispa  e a sua Igreja Episcopal devem um pedido público  de desculpa aos americanos por aquilo que disse !

          É a reacção directa dos ditadores, auto-considerados intocáveis, habituados a que as igrejas e as religiões lhes estendam passadeiras vermelhas e fumeguem nuvens de incenso à sua passagem. E os eclesiásticos, a começar pelas eminências patriarcais, castrados física e mentalmente, rendem-se-lhes como tapetes de cozinha, parceiros do mesmo poder incestuoso – repugnante e nauseabunda opção que deu razão ao grande luminar, génio do Cristianismo, Santo Agostinho de Hipona, ao definir a Igreja, já  no longínquo século V, com esta degradante nomenclatura: Ecclesia Casta Meretrix.

Desconheço o sistema de vasos comunicantes entre política e religião nos EUA, mas as recentes retaliações de Trump no seio do aparelho administrativo e judiciário levam-nos a temer o clima de repressão que o regime trumpista  é capaz de desencadear contra Mariann Budde e a sua Igreja. É o que tentarei acompanhar.

Para nós, portugueses da Madeira e do Continente, não é matéria nova. Quer no tempo da ditadura salazarista, que vitimou, entre outros,  o bispo do Porto, António ferreira Gomes, o de Nampula, Manuel Vieira Pinto, o pároco dos Jerónimos, padre José Felicidade Alves – quer na musculatura da chamada Autonomia madeirense que fez da Igreja, padres e bispos, autênticas marionetes a baixo-custo e perseguiu, humilhou, diabolizou quem, dentro do clero, esboçasse o mínimo gesto ante a pró-ditadura vigente. Pena faz e mais que pena, vergonha, quando uma entidade dotada de superioridade ética e espiritual, na linha  da sua  matriz original, se deixa manipular e desventrar às mãos de poderes encharcados de peçonha e insaciável sofreguidão.

Onde pretendo chegar com este olhar sobre o primeiro dia do novo--velho regime americano?

Só a isto:

Se em todas as escolas, universidades, assembleias locais ou regionais e se em todas as igrejas houvesse uma Mariann Budde e aí se  proclamasse a sua mensagem, nunca teria  ousado Donald Trump vazar tamanhas enormidades e tão ferozes ameaças na bandeira de um país maior da democracia mundial! Na bandeira, no povo e em todo o mundo civilizado.

Porque mais forte que as armas e o dinheiro é o pensamento. O discurso do líder, seja ele político, pregador ou comediante, reflecte a mentalidade do seu público. Daí, o axioma: Cada povo tem o governo que merece. Por isso, são os pedagogos, os honestos e esclarecidos formadores das mentalidades – numa cátedra ou no mais humilde lugarejo, pela voz ou pela escrita ou pela net – são eles, os que ensinam o povo a pensar, os verdadeiros construtores e  vencedores da história.

Stop, Louk and Listen – o melhor antídoto contra o vírus estonteante dos malabaristas ditadores. Parar para pensat,  ouvir para entender, olhar para decidir e marcar o rumo!  

  

 03-05.Jan.25

Martins Júnior

         

sábado, 1 de fevereiro de 2025

TRUMP NO TRONO E MARIANN NO ALTAR. MAS A MULHER FOI A MAIOR !!!

                                                                    


Ver por dentro e não contentar-se ou entreter-se apenas com as aparências. Prometido ontem, cumprido hoje. Na tomada de posse do 47º presidente dos EUA. Na catedral episcopal de St. John. Mais precisamente, no discurso que, do púlpito do histórico templo, dirigiu a Trump  a presidente da diocese de Washington, D.C., Mariann Budde.

          O que o mundo viu em grande plano?  A sacralização da emproada entronização do não menos emproado Donald Trump, num espectáculo psico-pirotécnico de opulência e dominação, que começou na catedral e espojou-se até ao Capitólio.

          O que poucos viram e ouviram? O discurso da celebrante Mariann.

          Na fila primeira, o volumoso descendente de emigrantes  alemães, pesado, amuralhado, ameaçador. No altar, uma figura franzina de mulher, 65 anos, semblante afável e voz suave.

          Oiçamos, em síntese, as palavras que, do púlpito de St. John, dirigiu a Trump e a toda a assembleia presidencial:

          Só com Unidade - não a unidade de alguns, mas de todos – é que será verdadeiramente grande a nossa América… Quais são os alicerces  da Unidade?... Três os alicerces, sem os quais a Unidade ficará assente na areia e não na rocha firme, como falava Jesus.

 1º - : Dignidade Humana, conforme a Nossa Declaração da Independência, em que a Igualdade e a Dignidade são direitos inatos a toda a pessoa que nasce. E por nascermos, somos todos filhos do mesmo Deus…

2º - Honestidade, tanto na vida pública como na vida privada. Sem Honestidade não há Unidade. Pedir a Deus a Unidade numa cerimónia solene, como esta, é fácil. Mas praticá-la no dia-a-dia é que é  difícil, porque aí as nossas acções vão contra as nossas orações.

3º - Humildade, porque todos erramos. Evitarmos o culto do desprezo que está a tornar-se normalizado no nosso país. Ninguém tem a verdade inteira. É preciso  olharmos a verdade dos outros sem  escarnecermos, desconsiderarmos ou diabolizarmos… Porque os primeiros prejudicados e perigosos para nós mesmos, somos nós quando nos convencemos que temos a verdade toda.

          (Trump, na primeira fila, o trono dos fariseus no tempo de Jesus, ora fazia-se distraído, ora displicente, ora constrangido, sobretudo quando a celebrante se lhe dirigiu directamente.)

Senhor Presidente:

O Senhor disse ontem que a mão providencial de um  Deus amoroso livrou-o da morte, de uma bala assassina. Pois, em nome desse nosso Deus, tenha misericórdia de milhões de americanos que o escolheram e que vivem agora debaixo do medo… Tenha misericórdia de tantos filhos que agora estão assustados se os seus pais forem expulsos deste território, que eles procuraram fugindo à fome e às perseguições nos seus países de origem…

São imigrantes, mas também todos nós fomos emigrantes nesta terra… São eles que limpam e preparam os nossos escritórios, que cuidam dos campos agrícolas, dos aviários e dos matadouros, que lavam a loiça depois de jantarmos nos restaurantes, que passam as noites trabalhando nos hospitais: podem não ser todos cidadãos, podem não ter documentos, mas na maior parte não são criminosos… Eles são trabalhadores, são bons vizinhos e estão presentes nas nossas igrejas, nas mesquitas, nas sinagogas.

Crianças, gays, lésbicas, transgénero, Sr. Presidente, há-os entre famílias de  democratas, republicanos ou independentes. E alguns agora vivem debaixo do medo. ..

Que grandeza de espírito! Que coragem evangélica! Que fidelidade intrépida a Jesus de Nazaré, diante de um todo-poderoso, ali à sua frente, cujo programa aponta em sentido visceralmente oposto!

Naquele corpo frágil de mulher, vi a estatura, a eloquência e o realismo frontal do nosso Imperador da Língua Portuguesa, o monumental Padre António Vieira, do século XVII. E dentro de mim, soltou-se uma pergunta: "Actualmente, neste nosso país e nesta região, onde encontrar um padre católico, um bispo, um cardeal, dotado da coragem e da transparência humana e teológica desta Mariann Budde, Bispa de Washington C.D.?!". Comparável, talvez, o Papa Francisco, nas suas homilias.

Deveria a comunicação social portuguesa, (como fez a imprensa internacional)  sobretudo a Igreja com os meios que tem ao seu dispor, dar em grande plano e repetir a mensagem proferida em solo americano e numa hora decisiva para o futuro da humanidade. Saúdo, pois, calorosamente a crónica do Padre Prof. Dr. Anselmo Borges na sua coluna do ‘Diário de Notícias’ de Lisboa. O teólogo e filósofo português de maior talento e clarividência na actualidade provou que “o Espírito sopra em toda a parte”. Ele que tem pautado a vida, a cátedra e a escrita pela descoberta da Verdade. Bem haja!

 

29.Jan-01.Fev.25

Martins Júnior