Ver o invisível, escutar os
silêncios, ler as entrelinhas, três títulos de uma única atitude necessária
para saber interpretar os acontecimentos. Só descobre a verdade inteira quem
não se deixa enredar nas malhas da aparência. No mundo de hoje, agitado por uma
informação frenética e sensacionalista, ansiosa por “quem dá primeiro”, é indispensável munirmo-nos deste GPS condutor para não
cairmos em charcos interpretativos, senão mesmo em abismos de falaciosas
contradições.
Vamos aos factos.
Foi notória a missa
da tomada de posse do presidente Donald Trump, celebrada na igreja de Saint
John, em Washington D.C., uma cerimónia oligárquica, mundialmente publicitada.
Ao crente médio, outro sentimento não acode senão o da fé de um presidente extremamente
religioso, agradecido a Deus pela vitória. Assim fazem todos os candidatos
ganhadores.
Mas ao ver uma tão proemonente Excelência adiposa (cidadão americano,
descendente de emigrantes alemães) na primeira fila do histórico templo,
apeteceria perguntar: “A que deus reza e
agradece Donald Trump?...
Ao
deus comandante-em-chefe das Forças Armadas de Israel, o ‘Senhor Deus dos
Exércitos’ do reino judaico e do furor israelita de Netanyahou?... ao deus
‘ALÁ”, o da guerra santa, dos yadhistas, sunitas, xiistas do império
muçulmano ?... ao deus de Auschwitz, o
dos infernos, lume nazi e água benta eclesiástica?... ao deus ‘Ortodoxo’
moscovita do império bizantino, transposto para os altares da federação russa,
com os mísseis de Putin abençoados pelo patriarca Kirilos?... ou ao bíblico
deus ‘Mammona’, o do dinheiro, irmão gémeo do deus pagão ‘Pluto’, do ouro rico,
adoptados pelo império capitalista americano?”...
Não arriscaríamos errar se adivinhássemos o pensamento de
Trump naquele ritual litúrgico: Não vim cá agradecer a Deus, vim mostrar ao mundo que Deus é que me agradece
por ter aceitado o seu pedido para ser seu Enviado. Sim, já vo-lo disse e
repito: Eu sou o Enviado de Deus para salvar e tornar grande a nossa América.
Não é
novo este manual sacro-profano. Repete-se com todos os candidatos a ditadores,
desde os imperadores coroadoss pelos Papas, até Adolf Hitler, saudado por Pio
XII e o português Salazar, idolatrado
como Salvador da Pátria, associado e concelebrado pelo cardeal Cerejeira.
Repete-se também, a outros níveis, nos meios urbanos e rurais, com os
governantes e aprendizes da ditadura nos primeiros assentos, padre e bispos em
aplausos comovedores.
A isto sujeitam-se hipocritamente as igrejas…
Já
desde o século XVII, nos avisava o poeta Voltaire, citado na última edição do
semanário francês Le 1:
“Ces monstres furieux de carnage
altérés,
Excités par la voix des prêtes sanguinaires
Invoquaient le Seigneur en égorgeant leurs frères;
Et, le bras tout souillé du sang des
innocents,
Osaient offrir à Dieucet
execrable encens”
Traduzindo:
Estes
monstros tresloucados furiosos de carnadura
Excitados
pela voz de padres sanguinários
Invocavam
o Senhor enquanto esganavam seus irmãos
E
com o braço manchado do sangue dos inocentes
Ousavam
oferecer a Deus execrável incenso
Sangue
e incenso – horrorosa e fétida mistura em cima do altar. E as igrejas aceitam
isto. E por isto louvam a Deus e exaltam os assassinos. Deviam, primeiro,
envergonhar-se deste mísero papel de curvar-se e cair de joelhos , em coro
uníssono, diante dos donos do mundo.
Para sintetizar
tudo quanto acabo de escrever, nada mais explícito que o pensamento, atribuído
ao bispo Santo Agostinho, o maior génio do Cristianismo, há mais de 1.500 anos:
“Ecclesia Casta Meretrix, “A Igreja é uma Prostituta Casta, Virgem”.
Portanto, serventuária dos mais poderosos, dos
mais fortes, dos mais ricos.
Ora, a identidade
evangélica da Igreja de Jesus de Nazaré, cuja estatura moral e libertadora está acima dos impérios mundanos, nunca
deveria rebaixar-se ao nível de colaboracionista e aduladora dos titulares
desses impérios.
A esta breve leitura das entrelinhas da missa protocolar
na igreja episcopaliana de St. John, Washingto D.C., dedicada ao vencedor eleitoral
Donald Trump – uma leitura nada optimista porque mui diversa das aparências –
devo juntar o seu reverso: Primeiro, o 80º aniversário da destruição do Campo dos
Horrores nazi, em 27 de Janeiro, um
feito épico que mereceria um solene Te--Deum em todas as igrejas do mundo! Segundo, o
mais positivo e esclarecedor, a mensagem da celebrante do referido acto litúrgico,
a Rev.ma Mariann Budde, que apresentarei mo próximo escrito.
23-25.Jan.25
Martins Júnior
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