Não é do desemprego, nem é da guerra, nem da fome, nem
da inflação, que venho propor o nosso habitual colóquio do dia ímpar. É de algo aparentemente muito mais
ténue, silencioso, mas estremecedor!
Refiro-me à morte assumidamente optada por essa jovem
de 29 anos, em Portland, Estado do Oregon, USA. Nem custo de vida, nem fome,
nem algemas serão mais impressivas e
dolorosas à sensibilidade humana que este gesto de alcance ilimitado. Que
pensar ou que dizer acerca dele? Para começar, talvez seja útil aproximá-lo de nós, da nossa família,
trazê-lo para dentro de casa. Acontecesse a um dos nossos familiares. Ou a nós
próprios. Qual a reacção, qual a resposta? Um cancro no cérebro… incurável…já
no términus dos seis meses de vida
permitida pelo “monstro” assassino!
Deixemos livremente correr o pensamento, as
incógnitas, os palpites. Primeiro, escutar a ciência, a neurocirurgia, a
psicanálise, o acervo orgânico em causa. Depois, o sujeito passivo, o seu universo
espiritual, depois a morte, o suicídio e o seu contraponto, a vida. Não
embarquemos em dogmatismos de cátedra, mesmo que do Vaticano venham: Será a vida um valor absoluto? Parafraseando J:Cristo acerca do sábado:
estará o Homem ao serviço da vida ou a vida ao serviço do Homem?
Para o efeito, ajudar-nos-á a monitorização de casos similares no decurso da História:
+ Na Grécia Antiga. o fundador da filosofia,
Sócrates, mestre de Platão e Aristóteles, tomou ele próprio a cicuta letal na
Primavera de 399 a.C.. Porquê? Condenado à morte por irreligiosidade e perversão da juventude
a quem ensinava a superioridade do conhecimento e a universalidade das normas
morais, não permitiu que as sádicas mãos dos poderosos ditadores lhe tocassem:
executou, ele mesmo, a sentença com a dignidade do seu carácter.
+ +
Já antes, na história judaica, uma mãe de sete filhos incitou-os a preferirem
deixar-se morrer antes que obedecer ao tirano pagão que os queria obrigar a
comer carne de porco, o que significaria renegar a religião de Moisés. E todos (a própria mãe, por fim) entregaram a vida,
torturados e queimados. Para defender a dignidade da sua crença. (II Livro dos
Macabeus, cap.7).
+ +
+ Para definir a morte de J:Cristo,
Jacques Paternot escreveu a obra O assassinato
de Jesus. Sobre o mesmo facto Pierre-Emmanuel Dauzat deixou-nos um outro título: O Suicídio de Cristo. Em que ficamos? Num ou noutro caso, fica de pé a honra da Palavra e da Mensagem.
+ +
+ + Na Primavera de Praga, como classificar a atitude de quem assumidamente
lançou o corpo, a própria vida, às chamas?
+ +
+ + + No romance de Gilbert Cesbron Les
Saints vont en enfer (« Os
Santos vão para o inferno », alusão aos padres operários que, contra as
ordens de Roma, decidiram viver com os
trabalhadores nos subterrâneos das minas) o autor conta que um destes
trabalhadores, a quem o padre incutiu a fé em Cristo-Irmão dos mineiros,
esgotado pela miséria da família e pelos pulmões já carcomidos, foram
encontrá-lo morto numa das cavernas da mina, com um bilhete apertado na mão:
“Irmão Cristo, não aguento mais, quero ir já contigo”. Ao lado, os resquícios da dose fatal.
+
+ + + + + Em 2005, após longo litígio
judicial entre os pais de Terri Shiavo (41 anos) e o marido, que pedia o fim
daquele martírio, foi retirado o tubo a
que esteve ligada durante 15 anos.
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Sábado passado, 1 de Novembro, dia da Grande Família Humana, Todos os Santos,
foi a data escolhida por Brittany
Maynard, uma jovem esposa, bela, com um sorriso cativante, realizou o seu
desejo, despediu-se da família reunida à sua volta: “My life, My death, My dignity”, foi
o seu testamento.
Quid juris? A vossa
opinião. Cada qual pondere, discuta,
interrogue. Para ajuda, podem recorrer ao precioso Livro do Prof.Dr.Pe. Anselmo
Borges, Corpo e Transcendência, (pag. 317 e sgs.)
Tudo
para encontrar alguma luz ao fundo destes três túneis:
- A medida e o objectivo do Sacrifício
- O Homem ao serviço da vida ou a vida ao
serviço do Homem
- Quem decide
que o que é crime num Estado e num outro já não é.
E mais um destes desconcertos que a vida tece: No mesmo
calendário em que os 29 anos do CR7 sobem, triunfantes, ao podium da 3º bota de ouro, há (houve) uma jovem bela, olhar transparente,
amante da vida e do futuro, cujos 29
anos a transportam à imensa noite do sepulcro.
Para terminar, trago aos meus amigos e amigas o
anúncio que o maior teólogo vivo Hans Kung, companheiro de Bento XVI no
seminário, na universidade de Tubinga e no Concílio Vaticano II, exarou no seu III Livro de Memórias,
consignando o desejo de que, no momento certo, pediria ao médico que lhe passasse para a mão
e estivesse consigo no seu suicídio assistido.
A fragilidade e o heroísmo do ser humano! Isto não fica por aqui.
5.Nov.14
Martins Júnior
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