Na
sequência do 9 de Novembro e quando se lhe batem efusivas palmas pelos seus 25
anos, que também são nossos, três episódios vieram e vêm todos os dias ensombrar-me a alvorada
nascente desse redivivo Dia D. Vou
compartilhá-los consigo, pois, estou certo, idêntica perturbação ronda à vossa
porta:
O primeiro: na mais recente edição do Courrier Internacional (6-12 Nov.) a expressiva imagem de capa traz
por título este, que não é agoiro, mas constatação da realidade: “Cinquante murs à abattre”. E logo
descreve os mais notórios cinquenta muros da vergonha espalhados pelo mundo,
desde Jerusalém a Belfast, desde o México ao
Bangladesh.
O segundo: a vertigem avassaladora de
jovens estrangeiros, até europeus nossos, portugueses nossos, que se entregam
voluntariamente à orgia sanguinária do Estado Islâmico.
O terceiro e mais próximo de nós, deixo
para o fim.
Venha alguém que nos explique esta
contradição, esta contagiante granada explosiva que abala o planeta e que cria
fantasmas (oxalá sejam só fantasmas) na mente e na pena dos analistas que já
falam na terceira guerra mundial.
Se
me permitem, vejo a olho-nú, três focos
de onde saem os fantasmas: o sono, a impunidade, a imunidade. E outra vez o
sono. Quando acordamos já é tarde, a casa já está em chamas. Ao dizer sono
digo inércia, passividade, é o “deixa-andar que isso não é
comigo”. E aqui começa o vírus, aqui se instala a legionela endémica, que se
faz desespero, pólvora e paiol pronto a rebentar. Do ventre da inércia
colectiva sai a impunidade que alimenta a antropofagia corruptora e corrompida
que se passeia de fato e gravata , de
hissope e água benta e a quem nós, voluntários servos da gleba, cortejamos,
veneramos, incensamos e até a colocamos no intocável trono da imunidade dos
bràmanes. E, depois de tudo bem urdido, bem armadilhado, bem organizado,
voltamos ao sono do “assim é que está bem”, o governo governa e o povo obedece. Quando acordamos, “Aqui
d’El Rei”, já não há armas para neutralizar o monstro que criámos, o cancro que
deixámos minar todo o corpo social: são os banqueiros a quem confiámos as
poupanças, são os governantes a quem (por acção ou omissão) demos o voto, são
os juízes que absolvem criminosos e condenam inocentes, são os pontífices e
eclesiásticos que nos roubam a terra e nos oferecem o céu. E calamo-nos todos
perante esta fogueira que ateámos com as nossas próprias mãos, ao ponto de
insultarmos os vigilantes que, à nossa beira, gritavam “fogo, aí vem fogo”. E
quando as chamas tomam conta de nós, desesperamos, vociferamos, somos capazes
de tudo, de pegar na caçadeira, de arrancar os olhos, de nos alistarmos, como
cegos erráticos, num qualquer exército, islâmico ou curdo, sírio ou sunita. Mas
já tarde. Quem nos salvará? Ficamos à espera que os correligionários coveiros
da paz briguem uns com os outros, tal como aguardamos que o baluarte da Al-Qaeda Ayman al-Zawahiri e o califa Abu
Bakr al-Baghdadi se destruam mutuamente.
Tudo
isto se passa entre nós, quer no macro quer no micro-cosmos, na cave, no rés-do-chão,
do primeiro ao último piso do planeta que habitamos. Aqui na Madeira também. Há
poucos dias --- e agora conto o terceiro
episódio --- ao sair de uma visita ao Hospital encontro um septuagenário,
com um perspicaz brilho nos olhos, que desabafa a sua pobre condição familiar,
casos de injustiça social e remata, exasperado: ”Isto só vai à bomba”.
Tocou-me
intimamente a respiração arfante e o corte da sua voz, o que motivou este meu
“dia ímpar”. Tentei explicar por outras palavras o que acabo de escrever e
acrescentei que o povo tem culpa de muita coisa. Deixamos que o caçador faça de
nós a sua macia albarda. Hitler começou como simples cabo promovido a sargento,
depois, com a armadilha do social-nacionalismo (traduza-se em madeirense
vernáculo “regional-autonomismo) foi ovacionado como o salvador da pátria, o
pai e protector do povo.
E
deu no facínora mais horrendo da história.
Só há um código vencedor, sem
armas nem sangue: Vigilância sobre todos os poderes: legislativo, executivo,
judicial, financeiro, religioso.
A cada hora, a nossa voz.
A CADA INSTANTE, A NOSSA ACÇÃO.
13.Nov.14
Martins Júnior
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