sexta-feira, 21 de novembro de 2014

UMA MONARQUIA ÓRFÃ DE FILHOS MAS ÁVIDA DE HERDEIROS


Aproximando-se a grande gala de domingo  próximo, o Dia de Cristo-Rei, permitir-me-eis a apresentação de um documentário em duas fases: Hoje, o filme do que há;  depois de amanhã o filme que devia haver.
Ora o que há dá-nos o seguinte resultado: o povo católico ( e quase todos os outros) é arraigadamente monárquico: quer um rei em seu trono,  um dominador abraçando o seu império, um juiz de toga toda ouro e púrpura, mas de bastão em punho. E por isso levanta estátuas portentosas em plataformas cimeiras, tais como  o do Corcovado no Brasil,  o de Almada em Lisboa e, até no exíguo terro da ilha, o Cristo-Rei do Garajau. Nos Açores, embora lacrimoso, o Senhor Santo Rei Cristo assoma triunfante, carregando aos ombros um peso de ouro maior que a própria cruz. O povo foi gerado com os genes sedentos de um Rei. Era o sonho da civilização judaica: um Messias que derrubasse os povos circunvizinhos e ficasse assentado na cúpula do universo.
Dois poderes fizeram a vontade aos crentes: o imperador
Constantino Magno, a partir do ano 313, e o Papa de Roma. Como nos acordos perversos que hoje fazem os partidos opostos, assim começou o cortejo. No século V, houve um Papa, Gelásio I. africano (sim, a Igreja já teve um Papa negro) definiu os dois poderes com a teoria da duas espadas: o poder temporal e o poder espiritual.
E quando os dois, porventura, entrassem em litígio, quem tinha o direito de ficar por cima era o poder espiritual. Dito e feito. Por coincidência, o império romano caíu às mãos dos “bárbaros”, assim classificados pelos imperialistas, ficando então  o  Papa senhor dos dois poderes, o temporal e o espiritual. E o povo achou que assim é que ficava bem. E como, para formatar uma geração e muitas gerações,  não há engenharia mais eficaz que a força de uma crença, construiu-se o mais alto torreão e aí se fez o trono super-soberano da Igreja: os palácios, o exército, desde o magala tonsurado até os sargentos-padres. os oficiais-bispos, os embaixadores-núncios e os príncipes-cardeais. Teceram-se as tearas triplas para o Sumo Pontífice, suas-santidades, as longas caudas vermelhas para os cardeais, suas eminências, as faixas vermelhas para os bispos grávidos de mundana vaidade e adequada ignorância, e até aos pés largos dos cónegos foram enfiadas venerandas meias vermelhas. Tudo hierarquicamente, impecavelmente, bem estruturado e banhado com a hipocrisia do divino e a complacência embasbacada dos crentes.
E enquanto os detentores do poder espiritual selavam contratos de partilhas dos bens terrenos e tácticas inconfessáveis para subir na carreira eclesiástica, o povo ajoelhava-se, à passagem, para beijar o anel de noivado entre os pontífices e a esposa de Cristo, a Igreja.
Assim se apregoava, assim se cumpria. Quem ousasse despir todas essas proeminências falsas para fazer surgir a verdadeira face do autêntico Rei-Cristo, tinha neste mundo o aquecimento das fogueiras da Inquisição como treino para o interminável vulcão do inferno, no outro.
Por mais ridículo que pareça, este foi o filme de vinte séculos de construção do Sacro Império da Religião, à pala do Cristo, cuja realeza deixarei para depois de amanhã.
Enfim, uma gratuita monarquia de reis solteiros e sem filhos, mas desejosos, ávidos de abocanhar os melhores podiuns no mundo.
Até que um dia, apareceu um arcanjo em traje de homem que traz na mão a coragem de derrubar os poderosos dos seus tronos. Esse dia já estamos a vivè-lo com o actual inquilino do Vaticano, o Papa Francisco.
Até domingo, se lá chegarmos!
   

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