Não faltam temas e questões actualíssimas para comunicarmos mutuamente, desde os chamados “Dias Mundiais” (contra a violência doméstica, por ex.), os eloquentes e emocionantes prémios “Nobel da Paz” (pensemos na jovem Malala) e sobretudo a vasta inspiração que nos traz a quadra natalícia. São tantos os temas e os comentadores, que, da minha parte, prefiro debruçar-me sobre a tão proclamada “gesta” dos 500 anos da diocese, ainda quentes da celebração e da inauguração da estátua. E ouso, até, interpelar todo o católico madeirense sobre tal acontecimento: como o vê, como o lê, como o interpreta.
Porque se, nas gloriosas efemérides da história profana, nos contentamos com o festival de artifício em que se desenrolam, o mesmo não deveria acontecer com um fenómeno tão apelativo à consciência cristã como os cinco séculos de uma crença que nos legaram os antepassados. quais os conteúdos e os efeitos de tão respeitável tradição? Já no anterior artigo evoquei Camões, quando se referia ao enganado “povo néscio” e, de novo, alerto para que não sejamos povo néscio, insensível, inconsciente.
Nas comemorações do V centenário, exaltou-se a proeminência da Arquidiocese funchalense por ter sido a Mãe de todas as outras dioceses criadas fora do território europeu, de “aquém e além-mar”: África, Ásia, Índia, Brasil, na América Latina. E, para assinalar tamanha amplitude desse abraço ecuménico, aqui vieram bispos e cardeais, altos representantes dos citados continentes, iniciar com pompa e circunstância a largueza desse abraço.
Volvidos 500 anos, pergunta-se se cá dentro ainda existe a cultura do abraço inclusivo que a diocese-mãe de outros tempos levou às mais longínquas paragens?
Em dois parágrafos apenas vou sintetizar uma possível resposta a esta pergunta:
Os três primeiros bispos da Madeira --- D. Diogo Pinheiro Lobo, (1514-1525), D. Martinho de Portugal, parente do rei (1533-1547) e D. Frei Gaspar do Casal (1556-1569) --- dirigiram a diocese quase todo o tempo, a partir de Lisboa, onde tinham residência oficial. O primeiro e o segundo nunca puseram cá os pés e o terceiro acabou por desistir do governo da diocese, após os últimos oito anos de residência na capital. As distâncias e as dificuldades inerentes ao respectivo transporte impediram a assistência pessoal e continuada aos seus diocesanos.
Os três últimos bispos, os mais recentes, precisamente no pós-25 de Abril--- os prelados Francisco Santana, Teodoro Faria e António Carrilho --- nunca puseram os pés numa modesta igreja da Madeira, que fica a escassos 25 minutos do Funchal, apesar das inúmeras cartas dos paroquianos nesse sentido. Chama-se Igreja de Nossa Senhora do Amparo, em Ribeira Seca, Machico.
Por agora, escusam-se mais comentários. Contra factos, sejam eles quais forem, não há argumentos. É caso para perguntar: após quinhentos anos, onde está a Igreja inclusiva da Diocese-Mãe de “todas as terras novas e a descobrir”? Como se confrontam as faustosas comemorações e os laudatórios monumentos com a realidade de três personagens que preferem acorrentar-se à carruagem do poder político em vez de proclamarem factualmente a liberdade dos filhos de Deus?
Para completar a farsa perante um povo que julgam “néscio”, devo dizer que achei muita graça quando um sacerdote intitulado vigário geral proclama, à porta da Sé e para as câmaras da TV, o corajoso apelo do Mestre “Faz-te ao largo”! Maior e melhor não podia ser a ironia das comemorações. De que largo estão a falar? Do Poço… das Desertas, das Selvagens, das Índias, dos Brasis?
O “Largo” do Mestre fica ali tão perto, fica aqui mesmo na ilha!
11.Dez.14
Martins Júnior
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