quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

“MATEM O MENSAGEIRO”


                                                         

Hoje não estou em paz. E quem poderá estar?... Talvez os inquilinos da mansão dos mortos. Mas nem todos. Aqueles que doaram os verdes anos e os frutos maduros de uma vida  em prol de uma renovada primavera para o mundo de amanhã, esses também não têm paz, ao olhar o mundo com que sonharam e não viram. Ameaças entre os povos, convulsões territoriais, contorções fratricidas, corrupções premiadas, mensagens cifradas e mensageiros abatidos.
Quem poderá estar em paz?!... Até no silêncio acolhedor das alcovas domésticas rebentam furacões devoradores, cuja proporção ultrapassa o trágico furor dos esquadrões da morte. Segurança e paz, onde morais?
Remeto-me à solidão interior, onde o pensamento marulha inquieto como o mar que abala a falésia e traz-me vagas rolantes, redemoinhos de contradições que custam a engolir. Com elas, vem a jovem Serafita, do romance de Geoge Bernanos (Jounal dún Curé de campagne), figura de uma candura e sensibilidade supra-humanas, de uma virtude subtil, parca em palavras, mas impressiva nas atitudes, que o romancista resume nestes termos: Quando ela aparecia era como a luz da manhã que põe a nu os contornos que a noite esconde. A bondade da sua presença servia para reflectir-se nela o negrume das nossas maldades.
Há pessoas, na vida real, irmãs gémeas da jovem Serafita, de Bernanos. Uma palavra, um gesto bastam para, em contraste,  reflectir-se nelas a oculta imundície adjacente, tal a força anímica da sua mensagem.
Mensagem e mensageiro, duas ondas potestativas que batem na margem do meu solilóquio. E trazem aquela “frase batida”, que vem de muito longe – “Matem o Mensageiro” – desde os combates da barbárie até aos tempos de agora, como o demonstrou o jornalista Gary Webb, soberbamente interpretado pelo actor Jeremy Renner (2014). Estava então no fio da navalha o tráfico da droga de altos políticos americanos que, perante a divulgação na imprensa, elegeram o jornalista denunciante como único alvo a abater.
Em tempos que já lá vão,  João - o Baptista - denunciou Herodes. A João, sacaram-lhe a língua, degolaram-no. A Herodes, a corte manteve-o no trono. Até que caíram a corte, o trono e o entronizado.
Mas a vibrante língua de João, essa  ficou para sempre cada vez mais alta, eloquente, imaculada. E com isto, tento recuperar  a paz e a esperança nas futuras madrugadas.

07.Fev.19
Martins Júnior


2 comentários:

  1. Uma palavra: SUBLIME. Obrigado pelo texto tão profundo quanto actual.

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  2. Como sempre, um texto que nos leva a reflectir. Obrigada pela partilha.

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