Hoje
não estou em paz. E quem poderá estar?... Talvez os inquilinos da mansão dos
mortos. Mas nem todos. Aqueles que doaram os verdes anos e os frutos maduros de
uma vida em prol de uma renovada
primavera para o mundo de amanhã, esses também não têm paz, ao olhar o mundo
com que sonharam e não viram. Ameaças entre os povos, convulsões territoriais, contorções
fratricidas, corrupções premiadas, mensagens cifradas e mensageiros abatidos.
Quem
poderá estar em paz?!... Até no silêncio acolhedor das alcovas domésticas
rebentam furacões devoradores, cuja proporção ultrapassa o trágico furor dos
esquadrões da morte. Segurança e paz, onde morais?
Remeto-me
à solidão interior, onde o pensamento marulha inquieto como o mar que abala a
falésia e traz-me vagas rolantes, redemoinhos de contradições que custam a
engolir. Com elas, vem a jovem Serafita, do romance de Geoge Bernanos (Jounal dún Curé de campagne), figura de
uma candura e sensibilidade supra-humanas, de uma virtude subtil, parca em palavras,
mas impressiva nas atitudes, que o romancista resume nestes termos: Quando ela
aparecia era como a luz da manhã que põe a nu os contornos que a noite esconde.
A bondade da sua presença servia para reflectir-se nela o negrume das nossas
maldades.
Há
pessoas, na vida real, irmãs gémeas da jovem Serafita, de Bernanos. Uma
palavra, um gesto bastam para, em contraste, reflectir-se nelas a oculta imundície
adjacente, tal a força anímica da sua mensagem.
Mensagem
e mensageiro, duas ondas potestativas que batem na margem do meu solilóquio. E
trazem aquela “frase batida”, que vem de muito longe – “Matem o Mensageiro” –
desde os combates da barbárie até aos tempos de agora, como o demonstrou o jornalista
Gary Webb, soberbamente interpretado pelo actor Jeremy Renner (2014). Estava então
no fio da navalha o tráfico da droga de altos políticos americanos que, perante
a divulgação na imprensa, elegeram o jornalista denunciante como único alvo a
abater.
Em
tempos que já lá vão, João - o Baptista
- denunciou Herodes. A João, sacaram-lhe a língua, degolaram-no. A Herodes, a
corte manteve-o no trono. Até que caíram a corte, o trono e o entronizado.
Mas
a vibrante língua de João, essa ficou para
sempre cada vez mais alta, eloquente, imaculada. E com isto, tento recuperar a paz e a esperança nas futuras madrugadas.
07.Fev.19
Martins Júnior
Uma palavra: SUBLIME. Obrigado pelo texto tão profundo quanto actual.
ResponderEliminarComo sempre, um texto que nos leva a reflectir. Obrigada pela partilha.
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