domingo, 3 de fevereiro de 2019

CONTRA POPULISMOS E SEBASTIANISMOS – O FILHO DO CARPINTEIRO


                                                               

Aos domingos, passo por entre as bancas e os mercados das ocorrências de toda a espécie. Passo-os e ultrapasso-os, para apenas debruçar-me na barra de um miradouro alto que me traz no horizonte paisagens milenares de ontem, de hoje e de amanhã. Fica esse miradouro no dentro mais dentro de mim mesmo e a linha desse horizonte tem o tamanho desse Livro sem medida que dá pelo nome de Biografia do Nazareno, vulgo dicto, Evangelho.  Lido e treslido em todo o mundo, nem sempre se lhe absorvemos a largueza e a altitude.
Hoje, porém, cortei as amarras que me prendem ao rotineiro corrico das horas e voei até onde  nos é dado abarcar o formigueiro humanizado (e tantas vezes inumano) que reveste o planeta. E aí descubro a inexorável sentença do escritor bíblico, de há milhares de anos: Nihil sub sole novi – nada de novo acontece debaixo do sol, diverso do que já antes acontecera.
O caso passou-se numa sinagoga de Judá. O jovem Cristo toma assento na assembleia da sua cidade, Nazaré, pede a palavra, esclarece os presentes, discorre com realismo, pertinência e elegância do verbo, de tal forma que os seus conterrâneos ficam extasiados e tributam-lhe manifestamente concordância e simpatia. Os  “donos do Templo”, os fariseus, escribas, enfim, os detentores do poder ideológico e financeiro, furiosos com os conteúdos da mensagem transmitida ao povo - e à falta de argumentos credíveis – lançam a peçonha deste repto: “Então, não sabem quem é esse sujeito? Ele é o filho do José, o carpinteiro. E ainda vão dar-lhe crédito? Olhem para a família dele: o pai, a mãe, os irmãos,  as irmãs”… A raiva rompeu todos os limites, ao ponto de arrastarem o Jovem até ao alto de um pináculo para o atirarem de lá abaixo. Sem sucesso, porém.
É evidente, aqui, o confronto entre duas lideranças e respectivos perfis. De um lado, um jovem operário, filho de operário, vizinho dos seus conterrâneos, com os quais mantém laços de proximidade diária, transparente no trato, companheiro indiferenciado no traje,  na rua, na praia, na ementa familiar, enfim, um nazareno entre os nazarenos. Mas arrasta multidões. Com que armas? Pela força do espírito, pela integridade do carácter, pela firmeza das convicções e, acima de tudo, pelo Amor à sua terra e ao seu Povo. Este o perfil do líder Cristo.
Do outro lado, o líder vem do obscuro, invisível, numa manhã de nevoeiro, enigmático, torna-se rei, presidente, rico, nobre, devoto e crente, fala sempre em Deus, jura em nome de Deus. Ostenta bondade e democracia, que depressa substitui por ameaças, armas, arrogância, prisões. Assim se apresentam os líderes, logo transformados em ditadores. Qualquer cidadão conhece os seus nomes: os do passado e os do presente.
Tal como há milhares de anos, o confronto é o mesmo e é a mesma  a escolha: entre o líder natural ou o líder pré-fabricado pela classe dominante, pelo exército, pelo capital, pela ganância, pelos interesses  e pela exclusão?... O líder do Povo ou o líder populista?... O educador popular, transparente,  desprendido e livre ou o príncipe sebastianista, impostor, de sorrisos-fantasmas e promessas delirantes?...
O líder, nascido no mesmo berço do Povo, é o “pastor cujo traje tem o cheiro às ovelhas do estábulo”. Sem pretender sacralizar-se carismático, possui nos cromossomas o carisma nato, sem disfarce. O líder fantasma é o ‘robot’ mecanizado, estereotipado, “pele de cordeiro e goela  de lobo devorador”. Ele infiltra-se e nutre-se dos subterrâneos imundos das instituições, das máfias, dos bancos, dos paióis e, em grande cotação, das religiões.
Só o Povo soberano e esclarecido é que poderá expurgar do seu seio as lideranças populisto-sebastianistas e, em seu lugar, colocar aqueles e aquelas que conhece, que sabe terem calcorreado e rasgado os pés nos mesmos caminhos pedregosos e que comeram do “mesmo pão que o diabo massou”. Os que trazem no ADN os genes do “Filho do carpinteiro”!

03.Fev.19
Martins Júnior


1 comentário:

  1. Todos nós trazemos no nosso ADN parte do filho do Carpinteiro. No entanto, para aqueles que não o trazem, basta abrirem a sua mente e coração.

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