terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

TODOS OS DIAS SÃO DELE… HÁ 411 ANOS !


                                                            

Fosse ele jesuíta ou franciscano, agnóstico ou ateu…Fosse diplomata   ou pária,  embaixador ou refugiado…Fosse ele “Imperador da Língua Portuguesa” ou escravo dela – pouco me interessaria nesta hora. Só sei  que vou ficar de vigília até que o sol rompa, na próxima madrugada, porque outro Sol Maior há-de abrir as cortinas daquele dia extenso que mede mais de quatrocentos anos!
Impossível voltar a folha do 5 para  o 6 de Fevereiro e  ficar indiferente. Impossível  esquecer Alguém que ilumina todo o mendo, mais intensamente  Portugal e Brasil, desde esse instante em que  pela mão de Maria de Azevedo, lisboeta, e de Cristóvão Vieira Ravasco, filho de pai alentejano e de mãe mulata, pisou chão português  um infante-gigante , de nome António.
Mais que todos os altos predicados com que possa colorir o seu dia, importa-me vê-lo hoje, global e  inteiro: a Torre de menagem do passado, o Referencial do presente, o Profeta do futuro! Quero vê-lo, afrontando de rosto aberto os abutres jesuítas da Inquisição. Vê-lo diante de reis e delatores, defendendo a liberdade religiosa (há quatro séculos!) contra a perseguição aos judeus e “cristãos novos” sentenciados e expulsos de Portugal. Quero vê-lo, ainda, no escaldante e mísero Nordeste do Brasil, bradando vigorosamente pelos direitos do índios e  negros brasileiros. E vê-lo, também, ele mesmo, atravessando numa piroga o rio Amazonas para valer aos pobres indígenas e, por via disso, ser expulso do Maranhão pelos senhorios fazendeiros, todos portugueses,  que escravizavam as populações.
Ele, “O Imperador da Língua Portuguesa” (digo-o agora com Fernando Pessoa) percorrendo o sertão, matando a sede em águas insalubres, deitado numa enxerga de capim, trincando a mandioca e as  tâmaras silvestres, veste picada esfarrapada pelos atritos da selva, enfim, um ‘índio” feito entre os índios nordestinos. E, mais que tudo, a Voz, aquela voz que na mata imensa brilhava e soava mais alto que nos púlpitos da Capela Real  da capital do Império, onde fora pregador régio. Apetece-me deixar de lado o teclado e ficar assim, absorto, contemplativo (eu que já experimentei a mesma geografia agreste da floresta moçambicana) e  imaginar, fazer repercutir dentro de mim o timbre metálico e doce dos indígenas quando se lhe dirigiam, em dialecto tupi,  com a expressão Paíaçu – “Grande Pai ou Grande Padre”.
Enquanto aguardo a manhã, recorto e memorizo, em síntese, dois rasgos de eloquência e coragem:
Contra a realeza e a nobreza brasonada, o “Sermão do Bom Ladrão”, na famosa igreja da Misericórdia, em Lisboa, em que o Pregador Régio equipara aos ladrões os próprios  monarcas, príncipes e ministros: “Antigamente eram os ladrões que pendiam do alto das cruzes.  Hoje, são as cruzes que pendem do peito dos ladrões”.
Contra os titulares das “Misericórdias”, em São Luís do Maranhão. que só serviam para mandar enterrar os mortos, pois não havia nem hospital nem enfermaria: “Bom seria não haver igreja e haver hospital. Mas se não houver outro modo, converta-se esta igreja em hospital, que Deus ficará mui contente disso”.
Chamo aqui Eça de Queirós, quando se referia ao seu colega do “Grupo dos Cinco”, Antero de Quental,  e cognominava-o de “Santo Antero”, porque este tinha já afirmado que “na grande marcha da história, o Santo é aquele que vai à frente”.  Na perspectiva de Antero, o conceito de “Santo” ultrapassava a visão pietista vigente e envolvia o universo da perfeição omnímoda do ser humano.
Na mesma altitude de pensamento, o Padre António Vieira merece, com absoluto mérito, o título de “Santo”. Ainda ninguém propôs ao Vaticano tal iniciativa. No entanto – espantoso! - a Igreja Anglicana Brasileira estabeleceu o dia 18 de Julho (data da sua morte, em 1497) como a Festa Litúrgica do Santo Padre António Vieira”! Belo e justo testemunho, sobretudo vindo de onde veio.
Em contraste, imensa, inconsolável será a mágoa do Grande Missionário do sertão nordestino, ao constatar  que todos os seus esforços, os seus confrontos, o seu martírio de há 400 anos encontraram no século XXI  a total negação nos programas e leis draconianas de exclusão e racismo produzidos em solo brasileiro. Oh, se voltasses de novo!...

   05.Fev.19
Martins Júnior



1 comentário:

  1. Em cada noite que o autor deste blogue passa mergulhado no doce profundo das letras, oferece-nos gratuitamente uma nova refeição para a marcha da vida. Parabéns amigo pelo texto.

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