“Aos
vinte e sete dias do mês de Fevereiro do ano de mil novecentos e oitenta e
cinco, sendo bispo do Funchal o antístite Dom Teodoro Faria e presidente do
governo regional da Madeira o doutor Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim,
sendo pároco da matriz da vila de Machico o padre António Joaquim Figueira
Martinho, e presidente da Câmara Municipal de Machico o senhor Jorge de Sousa
Gomes, sendo comandante da Polícia de Segurança Pública da Madeira o intendente
Nuno Homem Costa pelas sete horas da manhã, apearam-se de dez carrinhas paramilitares cerca de setenta agentes
policiais, com o subchefe Araújo na vanguarda, expulsaram da porta do templo da
Ribeira Seca as pessoas que aguardavam a missa do padre José Martins Júnior. De
imediato, tomaram posição e cercaram toda a zona do adro, enquanto outros
invadiam a igreja, levando livros e alfaias litúrgicas e ainda os equipamentos
sonoros ali existentes para o serviço religioso. Seguidamente, fecharam as
portas da igreja e embarrotaram-na em xadrez, com marteladas tão fortes que se
ouviam em toda aquela redondeza. Os vizinhos, atónitos com semelhante e tão
estranho acontecimento, aproximaram-se, primeiro timidamente, depois porfiadamente,
reclamando o direito de entrar na sua igreja e no seu adro, mas em vão, devido
ao cerco montado pelos polícias armados.
Pelas
nove horas da manhã, chega o pároco da igreja matriz da vila de Machico,
acompanhado pelo presidente da câmara, os quais subiram pelas escadas
exteriores e entraram na residência paroquial, rebentaram com as portas
interiores e, sob escolta do referido subchefe, saquearam livros de registo
paroquial, objectos vários e uma outra instalação sonora, amplificadores, microfones,
etc., propriedade particular, destinada aos espectáculos dos grupos de animação
daquela comunidade.
Durante
todo o dia, a população foi-se juntando na periferia do adro, protestando e
gritando que queriam entrar naquilo que era seu, mas a força policial foi-se
reforçando até que chegou o supra-citado comandante regional da PSP que ordenou
a prisão de vários populares, sendo estes arrastados para as carrinhas ali
presentes e conduzidos ao posto policial, alguns deles apresentados para
julgamento sumário no Tribunal da Comarca de Santa Cruz, mas o Meritíssimo Juiz
entendeu não haver fundamento para a pretensão da PSP e mandou-os embora para suas
casas.
Tudo
isto aconteceu sem qualquer mandado judicial. Apenas por determinação dos três
titulares acima designados: presidente do governo regional, bispo da diocese e
comandante regional da PSP”.
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A
força policial manteve-se no adro e igreja da Ribeira Seca, durante dezoito
dias e dezoito noites.
Dos
acontecimentos e suas derivações fez-se um silêncio quase total, contrariamente
aos jornais de Portugal Continental que largamente noticiaram os factos.
Aqui
se reproduz a Acta correspondente, gravada no corpo e na dor dos que lutaram, muitos dos quais já morreram,
e que é sempre recordada em 27 de Fevereiro de cada ano, “Ad perpetuam rei
memoriam”. A população estranha aos
acontecimentos estará certamente e justamente desejosa de saber a saga dura e persistente - mas, por fim, gloriosa - da Ribeira Seca enquanto a PSP manteve o cerco. Um dia será abertamente desvendada.
Por
hoje, fica (apenas!) a “Acta que o tempo jamais apagará”.
27.Fev.16
Martins Júnior
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