segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

1º de FEVEREIRO – DE SANGUE SE FEZ A PONTE


Estaria dispensado quem me lê, porque hoje, sendo ímpar o dia, acaba por ser dia par. Se em linguagem matemática “menos com menos dá mais”, também aqui se pode agregar que “ímpar com ímpar dá par”.
         E porque a história do 31 de Janeiro ficaria incompleta sem o 1 de Fevereiro, eis-me hoje aqui sentado a folhear convosco os anais de um país sempre em evolução. E componho assim a tríplice gradação do saber: se  o último do mês ficaria incompleto sem o segundo, os dois  ficariam vazios sem um terceiro, o 5 de Outubro. Nestes três patamares desperta desde logo o método científico: tese – antítese – síntese. O 31 de Janeiro foi a tese, o 1 de Fevereiro a antítese e o 5 de Outubro a síntese. De modo que o 1 de Fevereiro --- hoje --- surge como a ponte decisiva entre  dois pilares. Mas que ponte!  Em vez de pedra romana aparelhada --- ossadas régias.  E em vez de agua dos rios --- golfadas de sangue azul derramado na praça pública. E foram precisos  19 tumultuosos  anos para  fechar o círculo paradoxal, a um tempo vicioso e virtuoso.
         Decerto que já chegastes à decifração desta metáfora encadeada. Mas tenho o dever de  torná-la transparente. Em 1891,  o  31 de Janeiro foi o primeiro clarão da República a haver, clarão depressa entenebrecido pela prisão, degredo e morte  dos que afrontaram a monarquia vigente. Em 1908, 1 de Fevereiro, é assassinado às portas de Lisboa o símbolo maior do poder absoluto, o rei D. Carlos I, regressado do Palácio Ducal de Vila Viçosa. O rumo silencioso mas inexorável da Ideia, como diria Antero de Quental!...   Digamos que a tese  imperial (os escorraçados de ontem)  encontra  agora  a sua antítese com a morte do Rei que (como a História se repete!) tinha assinado no dia anterior a prisão dos novos revoltosos  anti-monárquicos, gente de primeira água, como António José de Almeida,  Afonso Costa, Egas Moniz  e, entre outros,  o visconde da Ribeira Brava.
         A ponte, argamassada de sangue real, deu lugar, dois anos depois, à descoberta e  à conquista da outra margem. o 5 de Outubro, a gloriosa metamorfose do poder de um homem só (que é o que significa Monarquia) no poder como emanação pública de algo que é bem, coisa, comum, Res Pública. Terríveis tempos esses da mudança de uma mentalidade secular para  o miradouro de um tempo novo!...
         Ficar-me-ei por aqui, deixando para quando for oportuno (e sê-lo-á sempre  imprescindível) um olhar atento sobre  as convulsões sociais, políticas e culturais que marcaram os primórdios da República. Hoje quis tão-só assinalar o 1 de Fevereiro, neste que é o 108º aniversário da ponte, sangrenta mas decisiva,  construída entre 1891 e 1910.
         E porque em 25 de Abril de 1974 redescobriu-se uma Nova República  em Portugal --- a passagem de nível entre a ditadura e a Democracia --- não  pode deixar de marcar-se  em letras de oiro o processo de transição sem derramamento de uma só gota de sangue, símbolo do crescimento evolutivo de um Povo que procura, em cada socalco da caminhada, alcançar o cimo da montanha, a sua plena realização. Nós somos também desse Povo!

                1.Fev.16
Martins Júnior

   

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