Corro
o risco de jogar em contra-corrente neste
fim de semana polvilhado de resíduos multicores. Prefiro pegar na corrente que
há oito dias iniciei com a evocação
.
Começara
o longo e fatídico percurso da emancipação total das colónias portuguesas. Não
é disso, porém, que me ocupo neste momento. É de um outro enorme “pormaior” que,
para alguns, não passará de um mero pormenor, assinalado por dois historiadores
luso-angolanos: Carlos Pacheco documenta que “na origem da rebelião de 1961,
como seu inspirador, esteve Monsenhor Manuel Joaquim Mendes das Neves, mestiço,
natural da vila do Colungo Alto e missionário secular da arquidiocese de Luanda”.
Por sua vez, Emídio Fernando refere o
nome do Padre Dr. Joaquim Pinto de Andrade que ouvira da boca do seu colega “ser
preciso quebrar o mito de que os angolanos gostavam de ser portugueses … e que
não era preciso fazer uma guerra para vencer. Basta fazer um acto que dê brado
lá fora e quebre o mito”, dizia.
Quero
acentuar essa circunstância suprema e decisiva: dois sacerdotes católicos na
vanguarda da libertação de Angola. Faço-o para não perder a sequência do
apontamento da semana passada. Faço-o também
para
tentar descortinar a luz no meio de tanto negrume e tanto obscurantismo
reinante na vaga do devocionismo religioso, amorfo e anémico, que não é capaz
de “mexer uma palha” para mudar o mundo, antes mesmo, atira as primeiras e
últimas pedras contra os que sentem correr-lhe nas veias a voz fumegante saída do Monte
Sinai: “O clamor do Meu Povo chegou até mim… Vai, liberta o Meu Povo das mãos
do faraó do Egipto”.
É este um mito ainda por desvendar: a
seráfica distância dos chamados religiosos e clérigos face às espinhosas lutas do Povo crente. A abstenção, seja a que
pretexto for e com que roupagem se cubra, não deixa de ser o que é --- a
máscara do farisaísmo em pleno exercício de auto-defesa. Os crepes das devotas carpideiras
da Via-Sacra-espectáculo, tais quais as sotainas nigro-rubras do clã eclesiástico não são mais que as mãos
cobardes mergulhadas na bacia de Pilatos. É muito cómodo, muito do agrado da
instituição manter-se quieto, estar de bem com deus e com o diabo, alistar-se
na cauda do batalhão dominante.
Basta abrir, ao acaso, as narrativas
bíblicas para nos depararmos com a militância do “Senhor Deus
Iaveh” delegada nos patriarcas, profetas, juízes e líderes das
populações oprimidas. Basta revisitar aquele vigoroso alerta do J:Cristo: “Pensais
que eu vim trazer a paz à terra? Não, eu vim trazer a espada”! Basta ver o
princípio e o fim de tantos mártires que nos primeiros três séculos do
Cristianismo juntaram-se aos escravos para arrancá-los das garras dos
imperadores!
Anda o Papa por terras sul-americanas,
onde as ditaduras e a corrupção navegam em águas largas e atravessam o corpo e
a alma de milhões de sofredores. Apesar de recebido com honras de chefe de estado
(privilégio inconsequente e que espero venha a conhecer seu voluntário empeachment) ele não se coíbe de
denunciar os abusos dos magnatas opressores. Lembro a plêiade de lutadores,
gente da Igreja da América Latina, que empenharam a própria vida, frontalmente,
na defesa do seu Povo: Ernesto Cardenal, Óscar Romero, Camilo Torres, Hélder da Câmara, De
Escoto (este último condenado por João Paulo II e reabilitado por Francisco),
enfim, tantos outros anónimos, inscritos no coração das pessoas e no chão
térreo onde deixaram o corpo. Não será, pois, de estranhar que os obreiros da
emancipação das colónias portuguesas fossem oriundos das missões cristãs,
católicas e protestantes, presentes em África. Tive a felicidade de conhecer os famosos “Padres Brancos”, perseguidos e
expulsos pelo regime salazarista,
Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira, Manuel Vieira Pinto, bispo de
Nampula. Ao contrário, o grosso dos invertebrados bispos do Padroado, os “generais”
da Igreja, de mãos amarradas em profunda
oração, mas logo livres e prontas para
assinar a deportação dos eclesiásticos non
gratos ao Império, caso, entre outros, de Monsenhor Mendes das Neves e
Padre Dr. Joaquim Pinto de Andrade (presidente honorário do MPLA). Depois de
várias prisões em Caxias e Peniche, acabaram os seus dias, exilados e
esquecidos em Ponte de Sôr e Vila Nova de Gaia. Do mesmo modo, o bispo de
Timor, Martinho da Costa Lopes --- esse,
sim, o verdadeiro e único bispo que, sem comendas nem medalhas, entregou a vida pela libertação do Povo Timorense.
Com este apontamento, completo o filão
inspirador da semana passada --- o 4 de Fevereiro --- e atiro para cima da mesa
da reflexão comum a grande incógnita: a que estranha classe pertence um cristão
institucionalizado para dispensar-se da militância directa na luta dos Direitos
Humanos ? Direitos Humanos que mais não
são que Preceitos Divinos!
Ficaria
escassa esta página se não depositasse uma mancheia de cravos na memória
intemporal da campa do General Sem Medo, Humberto Delgado, hoje, 13 de
Fevereiro, dia em que se comemora o seu bárbaro assassinato, em 1965. Embora
morto, a bandeira da sua luta flutua nos céus de Portugal. E do Mundo!
13.Fev.16
Martins Junior
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