Todos
nascemos – os portugueses de hoje – debaixo desta ponte. A Ponte que começa em 31
de Janeiro e acaba em 5 de Outubro. Nove meses que duraram 19 anos. A Ponte que
hoje completa 125 anos!
Trago
esta reflexão, após a gratuita surpresa de ter ouvido de muita gente culta esta resposta: “Não faço ideia”. E
a pergunta era a mais banal e inofensiva: “Sabes o porquê do nome 31 de Janeiro, dado à rua paralela à 5 de
Outubro, no Funchal”?
Pois
é: a uma inofensiva curiosidade soltou-se uma crassa ignorância. Sempre que lá
passamos (e são muitos os dias ao ano)
reconhecemos as lojas de roupa, os bares e cafés e, em frente, a casa das
lotarias, as vitrinas de desporto, tintas
e ferragens, a nova canalização da ribeira. E o BI da Rua? “Não faço ideia”. Seco e por
favor.
A Rua tem um nome maior do que ela.
Estende-se por todas as cidades portuguesas, mais notoriamente em Aveiro,
Braga, Sesimbra, Porto. Porque o “31 de Janeiro” constitui o berço primeiro da
República. Um berço, incrustado no coração da cidade “Invicta”. Ele ficou desfeito, logo na primeira hora, à força de baionetas de guerra, cujas
consequências foram mortes, prisões, deportações e degredos nas costas de África. Assim fazem os ditadores aos que se entregam de corpo e
alma a uma causa que entendem justa e urgente. Salazar também inventou o “Tarrafal”,
onde apodreceram, longe da Pátria, os que aspiravam restituir a liberdade à sua
Mátria-Mãe.
Destruíram o berço, mas não conseguiram
afogar a criança que ali nascia. A criança, essa submergiu no rio Douro, mas numa
manhã de Outono, veio a renascer,
pujante e sem retorno, nas margens do rio Tejo. Foi o 5 de Outubro de 1910, em
Lisboa. É que “não há machado que corte
a raiz ao pensamento”!
O
entusiasmo fremente com que discorro sobre esta data faz-me supor que os meus
amigos e amigas conhecem o significado enorme do “31 de Janeiro”. Foi no Porto.
Um punhado de patriotas de várias classes sociais, desde médicos, engenheiros,
lentes da Universidade, militares e até um chapeleiro da cidade, descontentes
com o agonizar do regime monárquico à mão dos ingleses ( o famoso Mapa Cor-de-Rosa) decidiram no último
dia do primeiro mês de 1891 avançar sobre o baluarte do poder e consumar o derrube da monarquia, chegando mesmo a
proclamar da varanda da Câmara Municipal
do Porto a instauração da República Portuguesa. Consequência da generosa utopia dos seus fautores que não mediram o risco de
um sonho inquebrável, a Revolução morreu, pode dizer-se, à nascença. Ficou, no
entanto, crescendo silenciosamente o seu gérmen no pensamento e na acção dos
sobreviventes. Até que, em 5 de Outubro de 1910, também da varanda da Câmara
Municipal, a de Lisboa, foi hasteada definitivamente a bandeira republicana.
Quem conhece as duras passadas para
alcançar o pico alto da vitória sentirá decerto
palpitar o coração neste dia perante o veredicto da História: a
construção do sonho, até ao sucesso final, arrasta consigo mártires anónimos
que irrigaram com o seu sangue o chão pedregoso que um dia cantará Vitória. Por
isso, ouso afirmar: se foi grande e digno de registo pelos séculos fora o triunfo
do “5 de Outubro”, não menos grande e solene foi o “31 de Janeiro”. Sem um,
nunca haveria o outro. Tal qual aconteceu mais perto de nós, com a investida, frustrada, de Beja e a marcha
das Caldas sobre Lisboa, até chegar em plenitude a entronização da Democracia, no
dia 25 de Abril de 1974. Assim aconteceu também neste nosso concelho, com tanta
gente do Povo que sofreu persistentemente às mãos da ditadura regional,
disfarçada de autonomia.
É o axioma que vem de longe: “Um é o
que semeia, outro é o que recolhe”! Mas vale a pena, porque quem luta por um
ideal alevantado não olha o lucro individual, imediatista, no perímetro
apertado do comum dos mortais. Vai mais além e vê no invisível a vitória de
toda a comunidade futura --- a razão de ser da sua incondicional entrega. E
batem-me na alma as ondulações do Mar
Salgado:
“Quem
quiser passar além do Bojador
Tem
de passar além da dor”
Em
nenhuma outra cidade ficou tão eloquente a simbiose das duas datas,
estrategicamente concebidas na geometria
viária: as duas ruas são paralelas uma à outra, face a face, ligadas pela ponte
sob a qual nasceram todos os herdeiros da República Portuguesa. De ontem, de hoje, de sempre. Honra e mérito aos
precursores da República!
31.Jan.16
Martins Júnior
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