E
tudo a noite varreu. Quando digo “noite” quero significar esta mesma noite de
11 de Janeiro de 2016. Quem assomar à varanda do Funchal não poderá deixar de bradar às portas da cidade: “Que vendaval passou por
aqui, que monstruoso avejão veio apagar com asas negras a beleza estonteante
que milhares de lâmpadas projectavam desde o dorso das encostas até ao seio largo da nossa baía?... Onde a magia
multicolor que vestia os braços das árvores, onde os anjos opulentos de
brancura imaculada, onde o véu de filigrana que pendia do alto das nossas
ruas?... E para chegar mais perto do sonho, onde pairam as volutas inebriantes de fogo em catadupa que iluminaram a ponte móvel
traçada na amplidão do firmamento entre 2015 e 2016?...
Hoje,
tanto no Funchal como nas restantes sedes de concelho da ilha, bem poderia
dizer-se que, após a prolongada terça-feira do carnaval natalício,
apresentou-se mais depressa a antecipada quarta-feira das cinzas.. Acabaram-se os foguetes nas ruas e as
máscaras dançantes das “Boas Festas, Feliz Ano” que, à falta de assunto,
serviam de senha entre conhecidos e desconhecidos em cada esquina da cidade. Tudo
voltou à penumbra, tudo como que se rendeu à solidão prosaica do quotidiano sem
côr. Cabe aqui voltar a ouvir Sérgio Godinho na transição da terça-feira para a quarta-feira dos trapos e
cacos e contradições.
Mas
eu é que não vou por aí. Bem ao contrário. Ao bater com o rosto nas rugas da
nocturna velhice da cidade, descubro que é agora a minha vez de abrir o
verdadeiro Ano Novo. Até ontem, não era minha mas alheia a magia que me inundava
a vista. Não era vivo o sonho, era breu pintado de estranho verniz. A nenhum de
nós pertencia a brancura esvoaçante dos arcanjos luminosos.
Mas
agora chegou a minha, a nossa vez. Todo o verde que germinar à beira do caminho
será fruto do que semearei na prosa dos ventos. Toda a beleza
escrita no graviti da minha estrada terá a marca do sangue das
minhas veias. E todas as espirais do sonho a haver sairão do meu suor e do meu talento, tenha ele
a medida que tiver. Agora é a minha… a nossa vez!
Gosto
de viajar no fio desta noite que me desperta para a madrugada que eu próprio
abrirei na ponta da escuridão. Até agora, era forçoso recorrer às geradoras mecânicas,
inacessíveis às minhas mãos, para acender lanternas fátuas na cintura das
cidades. Doravante, sou eu mesmo a central viva, inesgotável, produtora da
energia que fará reviver paisagens e corações. Sobretudo, nesta hora em que
outras mãos iguais às minhas já começaram a abrir clareiras de um “tempo novo”.
Chegou a tua, a minha, a nossa Hora!
Apraz-me
transcrever aqui as estrofes finais do inspirado poema desse imorredoiro
monumento da poesia brasileira, MANUEL BANDEIRA, quando descreve os ritmos alucinantes das
figurantes nos corsos carnavalescos e termina com a interiorização da verdadeira
alegria, a qual aqui pretendo corporizar no Ano Novo de 2016. Ei-lo:
………………………………………
“A
turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se
com algazarra,
Aclamava-as
com alarido.
E,
aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.
Nós
caminhávamos de mãos dadas…
Dentro
em nós era tudo claro e luminoso!
Nem
a alegria estava ali, fora de nós.
A
alegria estava em nós.
Era
dentro de nós que estava a alegria,
—
A profunda, a silenciosa alegria...”
11.Jan.16
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário