Era
minha intenção debruçar-me sobre aquela criança que, numa igreja em Nova York, foi abandonada no presépio por uma jovem mãe, mesmo ao lado da imagem do
Menino. Olho o bébé, tento descobrir no chão do templo as pegadas dos passos daquela mãe que fugiu
furtivamente entre a luz baça dos bancos vazios. E mesmo sem vê-la, face a face,
encho-me de coragem e ouso perguntar-lhe o porquê daquele gesto chocante,
envolto entre o cruel e o sagrado. Só o silêncio me responde --- um silêncio que
faz escorrer dois rosários de lágrimas dos olhos da rapariga.
Ainda
bem que há o vazio da palavra, porque só ele é capaz de conter e contar o abismo
das perguntas e respostas entrecortadas pelos soluços de alma sem termo…
Mas, desde a manhã de ontem, uma outra
mãe bateu-me à porta trazendo nos braços
um filho morto aos onze anos de idade. Tétrica visão aquela quando vi que a
progenitora também era cadáver, ainda
quente, com o menino louro de olhos azuis apertado ao peito. Aqui, nesta ilha romântica
e bela, aqui à porta de cada um de nós! Toda a Madeira o soube, todos os jornais e
audiovisuais do continente o publicaram.
Se, no primeiro caso, havia pernas e
ânimo para chegar à fala daquela rapariga, já na
tragédia dentro do nosso terreiro ilhéu, um gélido pavor prega-se-nos a língua
ao céu da boca. Não há perguntas, não há respostas. Apenas o alongamento da
nossa mágoa acrescentado ao desespero e ao amor daquela mãe desfeita pelo
cancro e pelo suicídio recente do seu homem. Que olhar doce e profundo não terá
lançado sobre o seu menino?... Que palavras ternas de carinho sem fim?... Que
turbilhão oceânico revolveu todo o seu íntimo, amansado à tona do seu rosto sereno e forte, como as
ondas alterosas quando chegam à superfície!
Oh,
as abissais profundezas do coração humano!
Quantos e tantos casos do mistério de
um coração materno… Viajo ao passado
longínquo de milénios e encontro essoutra mulher, a mãe dos sete irmãos
macabeus (Livro dos Macabeus). Perante o rei tirano que queria obrigar os
filhos a renegar o Deus Iahveh, ameaçando-os com as chamas e as mutilações dos
membros e da própria língua, ela como um
arcanjo dominador estimulava os jovens, do maior ao mais pequeno, a que
enfrentassem o tirano e não recuassem, assistindo,
impávida e corajosa, ao macabro assassinato dos filhos, um após o outro, até
que, chegada a sua vez, entregou-se sem soltar um ai aos algozes do rei, para
ser degolada e queimada. A tanto chega o enigma de um coração de mãe…
Que intermináveis, contraditórias,
enigmáticas, as interpretações a dar a cada caso e a todos os casos! Desde o Livro Cântico dos Cânticos --- “O amor é mais forte que a morte” --- até
à metáfora do corcel e do cavaleiro --- “Tenebroso e sublime” --- de Antero de
Quental, permanece de pé esse misterioso binómio que atravessa o tempo e o espaço: MORS-AMOR
– “ O amor e a morte, a morte e o
amor”.
Tragédia, desespero, heroísmo --- o
coração tem razões que a razão não entende, já sentenciara Blaise Pascal. Libertemo-nos da escuridão, do
labirinto, da depressão. E então brotarão sobre a terra as flores e os frutos
de um outro binómio: Amor é Vida. Libertemo-nos. Quem se liberta --- liberta o
mundo!
07.Jan.16
Martins
júnior
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