A festa do nascimento quão diversa foi da do trigésimo aniversário!
Aquela,
toda ela feita de sonho e misticismo, sob as ogivas do mosteiro quinhentista
erguido em honra das Descobertas, com discursos apologéticos de primeiro dia de
núpcias. Esta, mais cautelosa, talvez doída de sofrimento por se achar traída e
amachucada ao longo de 30 anos de percurso…
Refiro-me
à comemoração, ontem, das três décadas de adesão à Europa, no mesmo histórico
Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Assisti à primeira (a assinatura do contrato de adesão em 12 de
junho/1985, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro/1986) e ainda guardo o
cheiro a incenso que se evolava das timbradas vozes do septeto gregoriano
deambulando sob as arcadas do velho convento que, então se me assemelhavam às
caravelas de outrora na conquista de novos mundos.
Mas
ontem os panegíricos transformaram-se em ondas suficientemente batidas na
falésia europeia para se perceber que a
canção era outra: de repúdio pela invasão da nossa soberania, de protesto
contra o confisco do pão a que temos direito. Que outro sentido tem a
proclamação clara e sonora do Primeiro Ministro de Portugal: “Pertencer à
Europa não significa estar subjugado ao pensamento único”?!
Esta
subjugação tem um nome: austeridade. Austeridade que é desumanidade. Crueldade. São muitos os economistas de
renome, um deles Paul Krugman, Prémio Nobel; sociólogos da estirpe de Zygmunt Bauman
e Carlo Bordoni (no seu livro escrito a quatro mãos Estado
de Crise) todos a apostrofar o capitalismo financeiro dominante no planeta
e, por consequência, na casa comum da Europa, onde o “poder está globalizado mas
continua a aplicar políticas locais, individualistas, ‘paroquiais’, como dantes”,
em vez de tornar global a política que a todos deve servir equitativamente.
Na
lua-de-mel europeia em que os especuladores carreavam toneladas de sacos de euros para os países mais frágeis (e pensavam estes
que se tratava de uma generosa dádiva) um amigo meu observava: a estratégia é
maquiavélica e consiste, primeiro, em empresar, dar às gavelas, engordar a rês,
para mais tarde caçá-la à mão, tal como os bancos que facilitam a compra de
casa para, depois, absorver casa e dinheiro”. Malditos agiotas, piratas dos offshores, sem escrúpulos, que “bebem o
sangue fresco da manada”, comem às
dentadas a carne mirrada de um povo carente. Essa gente consegue ser mais
assassina que os jihadistas de rosto coberto. Escondidos nos antros da banca
clandestina (legal, mas visceralmente imoral) amontoam paióis de armamento
sofisticado, o dinheiro, com que matam os pobres indefesos. Mas cuidem-se (!)
porque se os seus cofres estão blindados, as suas vidas não estão seguras!
Sinais dos tempos…
Foi
assinada a união territorial, tenuemente política, mas onde está firmada a
união económica, a união bancária, a justiça distributiva? Chegou-se até ao
cúmulo de serem os próprios campeões da agiotagem, o FMI, a reconhecer que a
austeridade foi longe demais e nada resolveu. Pelo contrário, agravou a catástrofe iminente.
Empobrecemos. Perdemos a dignidade. É a “sociedade
líquida”, de que fala Zygmunt Bauman: “dos que vivem nesta precariedade
continuada, sem saber se a sua empresa vai funcionar ou se vai comprar outra,
sem saber se amanhã vai para o desemprego, saber se lhes pertence o que tanto
lhe custou”.
Estas
turbulentas incógnitas não têm outro intento senão o de alertar-nos a todos
para a contida veemência do discurso do Primeiro Ministro contra uma “Europa de
pensamento único”, possessiva, asfixiante, sem dar um palmo de pertença aos
países membros afogados pelo garrote financeiro. É preciso deixar de ser o “bom
aluno”, o boi-mudo, subserviente, à espera de um lugar na cúpula do poder
central, como ignobilmente fizeram conhecidos malfeitores políticos deste país.
Em boa hora, Portugal mudou de rumo. Oxalá que Espanha, Itália, Grécia (e
outros que ainda estão na primavera falaciosa das dádivas europeias) despertem
para a dignidade da sua soberania e lutem arduamente sob a tarja imponente que
a todos deve mobilizar: NÃO ESTAMOS À VENDA!
Antes
que todo o edifício venha a ruir.
9.Jan.16
Martins Júnior
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