Querem
que o Papa se atire da cúpula do Vaticano abaixo até cair na Praça de São
Pedro?... Querem que ele se jogue, em dia de tempestade, desde o alto do
Castelo de Sant’Ângelo para a torrente do grande rio Tibre?... Ou estão à
espera que ele corra sobre as ondas como em terra seca?...
Vêm estas absurdas perguntas a
propósito do último livro-entrevista do
Papa Francisco, em cujas páginas mais uma vez se transfigura na pele do
J:Cristo, humilde, sensível, generoso, todo ele compreensão e misericórdia. Em
cada dia e em cada passo, Giorgio Bergoglio surpreende e abala sobretudo os não
católicos pela palavra e pela acção. O seu palco não tem bastidores e a sua
veste não tem pregas nem matizes: tudo é branco, transparente, inclusivo e
conclusivo. Saneou grande parte dos cardeais instalados na Cúria vaticana, aos
quais apelidou de lobos e corvos; com os azorragues da coerência sacudiu as
máquinas de lavar dinheiro escondidas nos cofres do, hipocritamente chamado, Banco do “dinheiro
de São Pedro”.
Os não crentes irmanam-se
fraternalmente e seguem as pegadas do Papa Francisco. E os católicos, a começar
pelas hierarquias, cardeais, monsenhores, bispos e arcebispos? Uns rangem os
dentes contra o argentino, tal como os partidários religiosos contra o
proto-mártir Estêvão, nos primórdios do cristianismo. Outros assistem,
incrédulos calculistas e fazem garbo de reproduzir nos púlpitos das catedrais
citações avulsas do Papa, numa maquiavélica estratégia do hierarquicamente
correcto. Até já abriram tão solene quão mecanicamente as Portas do Jubileu da
Misericórdia neste ano de 2016. Mas agir em conformidade, fazer suas as
atitudes de Francisco, isso é que não, nunca. Precisamente nos antípodas do
Papa estão os pés e as cabeças deles.
Ano da Misericórdia, Ano do “coração-dado-aos
pobres”, assim se traduz na sua etimologia. Mas onde a Misericórdia?... Todos
vemos a olho nu que a Igreja-Instituição nem a Justiça pratica. Tudo camufla,
tudo esconde debaixo das túnicas vermelhas ou das sotainas pretas. Aí estão
casos recentes, aqui mesmo à nossa beira, no cristianíssimo Portugal e na
marianíssima Madeira. Se não fosse a
investigação da Polícia Judiciária, como seriam punidos os escândalos do seminário do Fundão e os da sacrilegamente
chamada congregação “Cristo Jovem” e o do escabroso pederasta “padre” Frederico tão amantissimamente protegido do penúltimo bispo da Madeira?... Se
não fossem os tribunais civis, como e quando a diocese seria obrigada a
destapar esse misterioso tráfico com que tem sido tratada, desde 1983, a
herança que Dona Eugénia Bettencourt doou à causa dos doentes cancerosos?... E
o espaçoso imóvel destinado por uma outra benemérita para os sacerdotes doentes
e anciãos acabarem os seus dias, mas até hoje
ocupada pelo mesmo bispo, sem pingo
de remorso?... Na Madeira, só um único sacerdote --- o consequente e corajoso
Padre José Luís Rodrigues --- se fez eco do caso “Dona Eugénia”.
Qual Misericórdia, se não há Justiça?... Primeiro
a Justiça, depois a Misericórdia. Além do direito natural, inúmeras são as
directivas bíblicas. Mas a Instituição não lhes presta atenção. Nem às atitudes
do Papa Francisco. Querem fazer dele o que ele mais detesta: uma vedeta para
consumo pessoal e premeditado oportunismo. Apetece soltar o grito explosivo de
Gandhi: “Adoro Cristo, mas odeio os cristãos”. Aqui, por cristãos, leia-se: hierarquias institucionais.
Depois
de amanhã, Francisco Papa, num sincero
gesto de humildade e diálogo inter-religioso, visitará a principal sinagoga de
Roma mas --- diz claramente --- “sem a pretensão de converter os judeus ao
cristianismo”. Entre nós, três bispos da
Madeira voltaram as costas, já lá vão mais
de 40 anos, a uma comunidade que continua firme na sua crença cristã e
católica. Como é possível dar crédito a gente desta que, por usar cinta
vermelha em redor de adiposa cintura, se comporta como monárquicos reizinhos…
em nome do Cristo pobre, “sem uma pedra onde reclinar a cabeça”?
Só os cristãos de base poderão fazer
andar o Papa Francisco pelos caminhos da nossa terra, porque, está visto, das
hierarquias autoritárias nada há a esperar. Será preciso regressar às fontes do
cristianismo original, tal como nos tempos de Hilário, o santo bispo de Poitiers
(315-368) cuja história constitui um eloquente testemunho: de pagão exemplar que era, converteu-se, depois de casado, ao
cristianismo e no mesmo dia foi nomeado, por aclamação dos cristãos de Poitiers,
bispo da sua diocese. Foi ontem, nem de propósito, o seu dia no calendário
litúrgico.
Só
os cristãos, enquanto células vivas do cristianismo, transformarão em corpo e
alma o sonho genuinamente evangélico de Francisco Papa.
15.Jan.16
Martins Júnior
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