Soube-se
há menos de uma hora que houve um filme proibido na Madeira. Soube-se também
que a entrevista ao seu realizador fora
cortada pela direcção do órgão publicitário do governo regional, embora sob a
capa de diário da diocese – o então Jornal
da Madeira. Corria o ano de 1978. Leonel de Brito acabara de rodar na ilha
o documentário intitulado “Colonia e Vilões”. Desde então, alguém escondeu-o e
enterrou-o, antes ainda de ver a luz do dia na terra que lhe deu corpo. Foram
precisos quarenta anos para que a
Madeira pudesse ver em plena liberdade o mais completo Dicionário Cinematográfico
sobre a sua História de seiscentos anos. Aconteceu hoje no Teatro Municipal
Baltazar Dias.
Com
efeito, “Colonia e Vilões”, não obstante focalizado na grande luta dos caseiros
pela emancipação das suas terras das mãos dos senhorios, desdobra diante do
espectador o vasto painel da evolução sócio-político-cultural da ilha. Desde o
Achamento, povoamento, divisão territorial e administrativa, desenvolvimento
agrícola e económico, com maior incidência nas culturas da cana sacarina e do
vinho, o esclavagismo, o obscurantismo, a religião, a libertação pós-25 de
Abril, manietada pelo concubinato igreja-governo, enfim, ver “Colonia e Vilões”
é guardar em disco rígido a síntese enciclopédica do terro que habitamos.
Mais
do que isso. Este precioso documentário condensa o maior grito de revolta e de
conquista de sucessivas gerações que durante séculos foram estranguladas pelo contrato
de colonia – esse “leonino contrato”, como alguém lhe chamou – em que o
camponês, a sua família, mulher e filhos, o seu pobre casebre se
consubstanciavam com a terra-escrava do senhorio. Pode bem afiançar-se que a
extinção do regime da colonia foi a maior afirmação da autonomia popular do
madeirense, visto que aí foi ele, todo inteiro – corpo, mentalidade, família,
ambiente – deu o ‘xeque-mate’ à prepotência fascista e totalitária que trazia
amarrado o povo português. Mais importante foi esta vitória global que as
autonomias administrativas reivindicadas nos gabinetes oficiais que só serviam
os seus prestidigitadores, sucedâneos herdeiros dos antigos ditadores, como
aconteceu aqui na Madeira. Na luta dos caseiros ilhéus foram eles os protagonistas, primeiro vencidos
e depois vencedores, porque o Decreto Legislativo Regional nº 13/77/M, de 18 de
Outubro (Extinção do regime de Colonia) só
se tornou possível pela força porfiada e justa diante das instâncias superiores
até chegar ao Parlamento Regional.
O
povo viu o resultado da sua luta. Por isso, cantava e sentia que “o Povo unido
jamais será vencido”. O campesinato descobriu que não era mais o “vilão”, “trapo-de-corsa”
do senhorio, mas alguém que tinha o poder de ordenar e obrigar os deputados a
escrever leis justas.
Hoje,
no Teatro Municipal, tudo isto perpassou diante dos nossos olhos, complementado
pelo debate e troca de ideias que se lhe seguiram. Notícia feliz foi a de
sabermos que o filme será apresentado em DVD na próxima Feira do Livro do
Funchal pelo próprio Leonel de Brito já que, desta vez, imprevistos problemas
de saúde não lho permitiram.
As
melhores felicitações aos promotores de tão oportuna iniciativa do Centro de
Estudos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em conexão com a sua
congénere na Madeira.
E
fica-nos no ouvido “uma frase batida” (como diria SG gigante) que os caseiros
criaram e passaram de boca em boca: “A terra é de Deus e o fruto é de quem
trabalha”.
15.Fev.18
Martins Júnior
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